quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A missão de Allan Kardec (bibliografia)

1.     O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo 6: itens 3 e 4;

3. Se me amais, guardai os meus mandamentos; e eu rogarei a meu Pai e ele vos enviará outro Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: - O Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque o não vê e absolutamente o não conhece. Mas, quanto a vós, conhecê-lo-eis, porque ficará convosco e estará em vós. - Porém, o Consolador, que é o Santo Espírito, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito. (S. JOÃO, cap. XIV, vv. 15 a 17 e 26.)
4. Jesus promete outro consolador: o Espírito de Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar maduro para o compreender, consolador que o Pai enviará para ensinar todas as coisas e para relembrar o que o Cristo há dito. Se, portanto, o Espírito de Verdade tinha de vir mais tarde ensinar todas as coisas, é que o Cristo não dissera tudo; se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é que o que este disse foi esquecido ou mal compreendido.
O Espiritismo vem, na época predita, cumprir a promessa do Cristo: preside ao seu advento o Espírito de Verdade. Ele chama os homens à observância da lei; ensina todas as coisas fazendo compreender o que Jesus só disse por parábolas. Advertiu o Cristo: "Ouçam os que têm ouvidos para ouvir." O Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, porquanto fala sem figuras, nem alegorias; levanta o véu intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem, finalmente, trazer a consolação suprema aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, atribuindo causa justa e fim útil a todas as dores.
Disse o Cristo: "Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados." Mas, como há de alguém sentir-se ditoso por sofrer, se não sabe por que sofre? O Espiritismo mostra a causa dos sofrimentos nas existências anteriores e na destinação da Terra, onde o homem expia o seu passado. Mostra o objetivo dos sofrimentos, apontando-os como crises salutares que produzem a cura e como meio de depuração que garante a felicidade nas existências futuras. O homem compreende que mereceu sofrer e acha justo o sofrimento. Sabe que este lhe auxilia o adiantamento e o aceita sem murmurar, como o obreiro aceita o trabalho que lhe assegurará o salário. O Espiritismo lhe dá fé inabalável no futuro e a dúvida pungente não mais se lhe apossa da alma. Dando-lhe a ver do alto as coisas, a importância das vicissitudes terrenas some-se no vasto e esplêndido horizonte que ele o faz descortinar, e a perspectiva da felicidade que o espera lhe dá a paciência, a resignação e a coragem de ir até ao termo do caminho.
Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança.

2.     O Livro dos Espíritos introdução: itens 1, 3 e 4; Prolegômenos;

INTRUDUÇÃO - I
Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras. Os vocábulos espiritual, espiritualista, espiritualismo têm acepção bem definida. Dar-lhes outra, para aplicá-los à doutrina dos Espíritos, fora multiplicar as causas já numerosas de anfibologia. Com efeito, o espiritismo é o oposto do materialismo. Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria. Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se quiserem, os espiritistas.
Como especialidade, o Livro dos Espíritos contém a doutrina espírita; como generalidade, prende-se à doutrina espiritualista, uma de cujas fases apresenta. Essa a razão porque traz no cabeçalho do seu título as palavras: Filosofia espiritualista.

INTRODUÇÃO – III
Como tudo que constitui novidade, a doutrina espírita conta com adeptos e contraditores. Vamos tentar responder a algumas das objeções destes últimos, examinando o valor dos motivos em que se apóiam, sem alimentarmos, todavia, a pretensão de convencer a todos, pois muitos há que crêem ter sido a luz feita exclusivamente para eles. Dirigimo-nos aos de boa-fé, aos que não trazem idéias preconcebidas ou decididamente firmadas contra tudo e todos, aos que sinceramente desejam instruir-se e lhes demonstraremos que a maior parte das objeções opostas à doutrina promanam de incompleta observação dos fatos e de juízo leviano e precipitadamente formado. Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a série progressiva dos fenômenos que deram origem a esta doutrina.
O primeiro fato observado foi o da movimentação de objetos diversos. Designaram-no vulgarmente pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas. Este fenômeno, que parece ter sido notado primeiramente na América, ou melhor, que se repetiu nesse país, porquanto a História prova que ele remonta à mais alta antigüidade, se produziu rodeado de circunstâncias estranhas, tais como ruídos insólitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva. Em seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas partes do mundo. A princípio quase que só encontrou incredulidade, porém, ao cabo de pouco tempo, a multiplicidade das experiências não mais permitiu lhe pusessem em dúvida a realidade.
Se tal fenômeno se houvesse limitado ao movimento de objetos materiais, poderia explicar-se por uma causa puramente física. Estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos da Natureza, ou todas as propriedades dos que conhecemos: a eletricidade multiplica diariamente os recursos que proporciona ao homem e parece destinada a iluminar a Ciência com uma nova luz. Nada de impossível haveria, portanto, em que a eletricidade modificada por certas circunstâncias, ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa dos movimentos observados. O fato de que a reunião de muitas pessoas aumenta a potencialidade da ação parecia vir em apoio dessa teoria. Visto poder-se considerar o conjunto dos assistentes como uma pilha múltipla, com o seu potencial na razão direta do número dos elementos.
O movimento circular nada apresentava de extraordinário: está na Natureza. Todos os astros se movem em curvas elipsóides; poderíamos, pois, ter ali, em ponto menor, um reflexo do movimento geral do Universo, ou, melhor, uma causa, até então desconhecida, produzindo acidentalmente, com pequenos objetos em dadas condições, uma corrente análoga à que impele os mundos.
Mas, o movimento nem sempre era circular; muitas vezes era brusco e desordenado, sendo o objeto violentamente sacudido, derrubado, levado numa direção qualquer e, contrariamente a todas as leis da estática, levantando e mantido em suspensão. Ainda aqui nada havia que se não pudesse explicar pela ação de um agente físico invisível, Não vemos a eletricidade deitar por terra edifícios, desarraigar árvores, atirar longe os mais pesados corpos, atraí-los ou repeli-los? Os ruídos insólitos, as pancadas, ainda que não fossem um dos efeitos ordinários da dilatação da madeira, ou de qualquer outra causa acidental, podiam muito bem ser produzidos pela acumulação de um fluido oculto: a eletricidade não produz formidáveis ruídos? Até aí, como se vê, tudo pode caber no domínio dos fatos puramente físicos e fisiológicos. Sem sair desse âmbito de idéias, já ali havia, no entanto, matéria para estudos sérios e dignos de prender a atenção dos sábios. Por que assim não aconteceu? É penoso dizê-lo, mas o fato deriva de causas que provam, entre mil outros semelhantes, a leviandade do espírito humano. A vulgaridade do objeto principal que serviu de base às primeiras experiências não foi alheia à indiferença dos sábios. Que influência não tem tido muitas vezes uma palavra sobre as coisas mais graves!
Sem atenderem a que o movimento podia ser impresso a um objeto qualquer, a idéia das mesas prevaleceu, sem dúvida, por ser o objeto mais cômodo e porque, à roda de uma mesa, muito mais naturalmente do que em torno de qualquer outro móvel, se sentam diversas pessoas. Ora, os homens superiores são com freqüência tão pueris que não há como ter por impossível que certos espíritos de escol hajam considerado deprimente ocuparem-se com o que se convencionara chamar a dança das mesas. É mesmo provável que se o fenômeno observado por Galvâni o fora por homens vulgares e ficasse caracterizado por um nome burlesco, ainda estaria relegado a fazer companhia à varinha mágica. Qual, com efeito, o sábio que não houvera julgado uma indignidade ocupar-se com a dança das rãs? Alguns, entretanto, muito modestos para convirem em que bem poderia dar-se não lhes ter ainda a Natureza dito a última palavra, quiseram ver, para tranqüilidade de suas consciências. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre lhes correspondeu à expectativa e, do fato de não se haver produzido constantemente à vontade deles e segundo a maneira de se comportarem na experimentação, concluíram pela negativa. Mau grado, porém, ao que decretaram, as mesas - pois que há mesas - continuam a girar e podemos dizer com Galileu: todavia, elas se movem! Acrescentaremos que os fatos se multiplicaram de tal modo que desfrutam hoje do direito de cidade, não mais se cogitando senão de lhes achar uma explicação racional.
Contra a realidade do fenômeno, poder-se-ia induzir alguma coisa da circunstância de ele não se produzir de modo sempre idêntico, conformemente à vontade e às exigências do observador? Os fenômenos de eletricidade e de química não estão subordinados a certas condições? Será lícito negá-los, porque não se produzem fora dessas condições? Que há, pois, de surpreendente em que o fenômeno do movimento dos objetos pelo fluido humano também se ache sujeito a determinadas condições e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se no seu ponto de vista, pretende fazê-lo seguir a marcha que caprichosamente lhe imponha, ou queira sujeitá-lo às leis dos fenômenos conhecidos, sem considerar que para fatos novos pode e deve haver novas leis? Ora, para se conhecerem essas leis, preciso é que se estudem as circunstâncias em que os fatos se produzem e esse estudo não pode deixar de ser fruto de observação perseverante, atenta e às vezes muito longa. Objetam, porém, algumas pessoas: há freqüentemente fraudes manifestas. Perguntar-lhes-emos, em primeiro lugar, se estão bem certas de que haja fraudes e se não tomaram por fraude efeitos que não podiam explicar, mas ou menos como o camponês que tomava por destro escamoteador um sábio professor de Física a fazer experiências. Admitindo-se mesmo que tal coisa tenha podido verificar-se algumas vezes, constituiria isso razão para negar-se o fato? Dever-se-ia negar a Física, porque há prestidigitadores que se exornam com o título de físicos? Cumpre, ao demais, se leve em conta o caráter das pessoas e o interesse que possam ter em iludir. Seria tudo, então, mero gracejo? Admite-se que uma pessoa se divirta por algum tempo, mas um gracejo prolongado indefinidamente se tornaria tão fastidioso para o mistificador, como para o mistificado. Acresce que, numa mistificação que se propaga de um extremo a outro do mundo e por entre as mais austeras, veneráveis e esclarecidas personalidades, qualquer coisa há, com certeza, tão extraordinária, pelo menos, quanto o próprio fenômeno.
INTRODUÇÃO - IV
Se os fenômenos, com que nos estamos ocupando, houvessem ficado restritos ao movimento dos objetos, teriam permanecido, como dissemos, no domínio das ciências físicas. Assim, entretanto, não sucedeu: estava-lhes reservado colocar-nos na pista de fatos de ordem singular. Acreditaram haver descoberto, não sabemos pela iniciativa de quem, que a impulsão dada aos objetos não era apenas o resultado de uma força mecânica cega; que havia nesse movimento a intervenção de uma causa inteligente. Uma vez aberto, esse caminho conduziu a um campo totalmente novo de observações. De sobre muitos mistérios se erguia o véu. Haverá, com efeito, no caso, uma potência inteligente? Tal a questão. Se essa potência existe, qual é ela, qual a sua natureza, a sua origem? Encontra-se acima da Humanidade? Eis outras questões que decorrem da anterior. As primeiras manifestações inteligentes se produziram por meio de mesas que se levantavam e, com um dos pés, davam certo número de pancadas, respondendo desse modo - sim, ou - não, conforme fora convencionado, a uma pergunta feita. Até aí nada de convincente havia para os cépticos, porquanto bem podiam crer que tudo fosse obra do acaso. Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas com o auxílio das letras do alfabeto: dando o móvel um número de pancadas correspondente ao número de ordem de cada letra, chegava-se a formar palavras e frases que respondiam às questões propostas. A precisão das respostas e a correlação que denotavam com as perguntas causaram espanto. O ser misterioso que assim respondia, interrogado sobre a sua natureza, declarou que era Espírito ou Gênio, declinou um nome e prestou diversas informações a seu respeito. Há aqui uma circunstância muito importante, que se deve assinalar. É que ninguém imaginou os Espíritos como meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno que revelou a palavra. Muitas vezes, em se tratando das ciências exatas, se formulam hipóteses para dar-se uma base ao raciocínio. Não é aqui o caso. Tal meio de correspondência era, porém, demorado e incômodo. O Espírito (e isto constitui nova circunstância digna de nota) indicou outro. Foi um desses seres invisíveis quem aconselhou a adaptação de um lápis a uma cesta ou a outro objeto. Colocada em cima de uma folha de papel, a cesta é posta em movimento pela mesma potência oculta que move as mesas; mas, em vez de um simples movimento regular, o lápis traça por si mesmo caracteres formando palavras, frases, dissertações de muitas páginas sobre as mais altas questões de filosofia, de moral, de metafísica, de psicologia, etc., e com tanta rapidez quanta se se escrevesse com a mão. O conselho foi dado simultaneamente na América, na França e em diversos outros países. Eis em que termos o deram em Paris, a 10 de junho de 1853, a um dos mais fervorosos adeptos da doutrina e que, havia muitos anos, desde 1849, se ocupava com a evocação dos Espíritos: “Vai buscar, no aposento ao lado, a cestinha; amarra-lhe um lápis; coloca-a sobre o papel; põe-lhe os teus dedos sobre a borda” Alguns instantes após, a cesta entrou a mover-se e o lápis escreveu, muito legível, esta frase: “Proíbo expressamente que transmitas a quem quer que seja o que acabo de dizer. Da primeira vez que escrever, escreverei melhor.” O objeto a que se adapta o lápis, não passando de mero instrumento, completamente indiferentes são a natureza e a forma que tenha. Daí o haver-se procurado dar-lhe a disposição mais cômoda. Assim é que muita gente se serve de uma prancheta pequena. A cesta ou a prancheta só podem ser postas em movimento debaixo da influência de certas pessoas, dotadas, para isso, de um poder especial, as quais se designam pelo nome de médiuns, isto é - meios ou intermediários entre os Espíritos e os homens. As condições que dão esse poder resultam de causas ao mesmo tempo físicas e morais, ainda imperfeitamente conhecidas, porquanto há médiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos os graus de desenvolvimento intelectual. É, todavia, uma faculdade que se desenvolve pelo exercício.

Prolegômenos (O Livro dos Espíritos)
Fenômenos alheios às leis da ciência humana se dão por toda parte, revelando na causa que os produz a ação de uma vontade livre e inteligente.
A razão diz que um efeito inteligente há de ter como causa uma força inteligente e os fatos hão provado que essa força é capaz de entrar em comunicação com os homens por meio de sinais materiais.
Interrogada acerca da sua natureza, essa força declarou pertencer ao mundo dos seres espirituais que se despojaram do invólucro corporal do homem. Assim é que foi revelada a Doutrina dos Espíritos.
As comunicações entre o mundo espírita e o mundo corpóreo estão na ordem natural das coisas e não constituem fato sobrenatural, tanto que de tais comunicações se acham vestígios entre todos os povos e em todas as épocas. Hoje se generalizaram e tornaram patentes a todos.
Os espíritos anunciam que chegaram os tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal e que, sendo eles os ministros de Deus e os agentes de Sua vontade, têm por missão instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade.
Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por ordem e mediante ditado de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema. Nada contém que não seja a expressão do pensamento deles e que não tenha sido por eles examinado. Só a ordem e a distribuição metódica das matérias, assim como as notas e a forma de algumas partes da redação constituem obra daquele que recebeu a missão de os publicar.
Em o número dos Espíritos que concorreram para a execução desta obra, muitos se contam que viveram, em épocas diversas, na Terra, onde pregaram e praticaram a virtude e a sabedoria. Outros, pelos seus nomes, não pertencem a nenhuma personagem, cuja lembrança a História guarde, mas cuja elevação é atestada pela pureza de seus ensinamentos e pela união em que se acham com os que usam de nomes venerados.
Eis em que termos nos deram, por escrito e por muitos médiuns, a missão de escrever este livro:
“Ocupa-te, cheio de zelo e perseverança, do trabalho que empreendeste com o nosso concurso, pois esse trabalho é nosso. Nele pusemos as bases de um novo edifício que se eleva e que um dia há de reunir todos os homens num mesmo sentimento de amor e caridade. Mas, antes de o divulgares, revê-lo-emos juntos, a fim de lhe verificarmos todas as minúcias.
“Estaremos contigo sempre que o pedires, para te ajudarmos nos teus trabalhos, porquanto esta é apenas uma parte da missão que te está confiada e que já um de nós te revelou.
“Entre os ensinos que te são dados, alguns há que deves guardar para ti somente, até nova ordem. Quando chegar o momento de os publicares, nós to diremos. Enquanto esperas, medita sobre eles, a fim de estares pronto quando te dissermos.
“Porás no cabeçalho do livro a cepa que te desenhamos (A cepa que é o fac-símile da que os Espíritos desenharam), porque é o emblema do trabalho do Criador. Aí se acham reunidos todos os princípios materiais que melhor podem representar o corpo e o espírito. O corpo é a cepa; o espírito é o licor; a alma ou espírito ligado à matéria é o bago. O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e tu sabes que só mediante o trabalho do corpo o Espírito adquire conhecimentos.
“Não te deixes desanimar pela crítica. Encontrarás contraditores encarniçados, sobretudo entre os que têm interesse nos abusos. Encontrá-los-ás mesmo entre os Espíritos, por isso que os que ainda não estão completamente desmaterializados procuram freqüentemente semear a dúvida por malícia ou ignorância. Prossegue sempre. Crê em Deus e caminha com confiança: aqui estaremos para te amparar e vem próximo o tempo em que a Verdade brilhará de todos os lados.
“A vaidade de certos homens, que julgam saber tudo e tudo querem explicar a seu modo, dará nascimento a opiniões dissidentes. Mas, todos os que tiverem em vista o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento: o do amor do bem e se unirão por um laço fraterno, que prenderá o mundo inteiro. Estes deixarão de lado as miseráveis questões de palavras, para só se ocuparem com o que é essencial. E a doutrina será sempre a mesma, quanto ao fundo, para todos os que receberem comunicações de Espíritos superiores.
“Com perseverança é que chegarás a colher os frutos de teus trabalhos. O prazer que experimentarás, vendo a doutrina propagar-se e bem compreendida, será uma recompensa, cujo valor integral conhecerás, talvez mais no futuro do que no presente. Não te inquietes, pois, com os espinhos e as pedras que os incrédulos ou os maus acumularão no teu caminho. Conserva a confiança: com ela chegarás ao fim e merecerás ser sempre ajudado.
“Lembra-te de que os Bons Espíritos só dispensam assistência aos que servem a Deus com humildade e desinteresse e que repudiam a todo aquele que busca na senda do Céu um degrau para conquistar as coisas da Terra; que se afastam do orgulhoso e do ambicioso. O orgulho e a ambição serão sempre uma barreira erguida entre o homem e Deus. São um véu lançado sobre as claridades celestes, e Deus não pode servir-se do cego para fazer perceptível a luz.”
São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito da Verdade, Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, Swedenborg, etc., etc.

3.     O Principiante Espírita: Biografia de Allan Kardec (Henri Sausse)

Minhas senhoras, meus senhores:
Muitas pessoas que se interessam pelo Espiritismo manifestam muitas vezes o pesar de não possuírem senão muito imperfeito conhecimento da biografia de Allan Kardec, e de não saberem onde encontrar, sobre aquele a quem chamamos Mestre, as informações que desejariam conhecer. Pois é para honrar Allan Kardec e festejar a sua memória que nos achamos hoje reunidos, e mesmo sentimento de veneração e de reconhecimento faz vibrar todos os corações. Em respeito ao fundador da filosofia espírita, permiti-me, no intuito de tentar corresponder a tão legítimo desejo, que vos entretenha alguns momentos com esse Mestre amado, cujos trabalhos são universalmente conhecidos e apreciados, e cuja vida íntima e laboriosa existência são apenas conjecturadas.
Se fácil foi a todos os investigadores conscienciosos inteirarem-se do alto valor e do grande alcance da obra de Allan Kardec pela leitura atenta das suas produções, bem poucos puderam, pela ausência até hoje de elementos para isso, penetrar na vida do homem íntimo e segui-lo passo a passo no desempenho da sua tarefa, tão grande, tão gloriosa e tão bem preenchida.
Não somente a biografia de Allan Kardec é pouco conhecida, senão que ainda está por ser escrita. A inveja e o ciúme semearam sobre ela os mais evidentes erros, as mais grosseiras e as mais impudentes calúnias.
Vou, portanto, esforçar-me por mostrar-vos, com luz mais verdadeira, o grande iniciador de quem nos desvanecemos de ser discípulos.
Todos sabeis que a nossa cidade se pode honrar, a justo título, de ter visto nascer entre seus muros esse pensador tão arrojado quão metódico, esse filósofo sábio, clarividente e profundo, esse trabalhador obstinado cujo labor sacudiu o edifício religioso do Velho Mundo e preparou os novos fundamentos que deveriam servir de base à evolução e à renovação da nossa sociedade caduca, impelindo-a para um ideal mais são, mais elevado, para um adiantamento intelectual e moral seguros.
Foi, com efeito, em Lião, que, a 3 de outubro de 1804, nasceu de antiga família lionesa, com o nome de Rivail, aquele que devia mais tarde ilustrar o nome de Allan Kardec e conquistar para ele tantos títulos à nossa profunda simpatia, ao nosso filial reconhecimento.
Eis aqui a esse respeito um documento positivo e oficial:
"Aos 12 do vindemiário (Seu verdadeiro nome é Hippolyte Léon Denizard Rivail, conforme estudo de autoria de Zêus Wantuil, inserto em "Reformador" de abril de 1963, p.p. 95/6, intitulado "Kardec e seu nome civil".) do ano XIII, auto do nascimento de Denizard Hippolyte-Léon Rivail, nascido ontem às 7 horas da noite, filho de Jean Baptiste-Antoine Rivail, magistrado, juiz, e Jeanne Duhamel, sua esposa, residentes em Lião, rua Sala n° 76.
"O sexo da criança foi reconhecido como masculino.
"Testemunhas maiores:
"Syriaque-Frédéric Dittmar, diretor do estabelecimento das águas minerais da rua Sala, e Jean-François Targe, mesma rua Sala, à requisição do médico Pierre Radamel, rua Saint-Dominique n° 78.
"Feita a leitura, as testemunhas assinaram, assim como o Maire da região do Sul.
"O presidente do Tribunal,
(assinado) : Mathiou."
O futuro fundador do Espiritismo recebeu desde o berço um nome querido e respeitado e todo um passado de virtudes, de honra, de probidade; grande número dos seus antepassados se tinham distinguido na advocacia e na magistratura, por seu talento, saber e escrupulosa probidade. Parecia que o jovem Rivail devia sonhar, também ele, com os louros e as glórias da sua família. Assim, porém, não foi, porque, desde o começo da sua juventude, ele se sentiu atraído para as ciências e para a filosofia.
Rivail Denizard fez em Lião os seus primeiros estudos e completou em seguida a sua bagagem escolar, em Yverdun (Suíça), com o célebre professor Pestalozzi, de quem cedo se tornou um dos mais eminentes discípulos, colaborador inteligente e dedicado. Aplicou-se, de todo o coração, à propaganda do sistema de educação que exerceu tão grande influência sobre a reforma dos estudos na França e na Alemanha. Muitíssimas vezes, quando Pestalozzi era chamado pelos governos, um pouco de todos os lados, para fundar institutos semelhantes ao de Yverdun, confiava a Denizard Rivail o encargo de o substituir na direção da sua escola. O discípulo tornado mestre tinha, além de tudo, com os mais legítimos direitos, a capacidade requerida para dar boa conta da tarefa que lhe era confiada. Era bacharel em letras e em ciências e doutor em medicina, tendo feito todos os estudos médicos e defendido brilhantemente sua tese. Lingüista insigne, conhecia a fundo e falava corretamente o alemão, o inglês, o italiano e o espanhol; conhecia também o holandês, e podia facilmente exprimir-se nesta língua.
Denizard Rivail era um alto e belo rapaz, de maneiras distintas, humor jovial na intimidade, bom e obsequioso. Tendo-o a conscrição incluído para o serviço militar, ele obteve isenção e, dois anos depois, veio fundar em Paris, à rua de Sèvres n° 35, um estabelecimento semelhante ao de Yverdun. Para essa empresa se associara a um dos seus tios, irmão de sua mãe, o qual era seu sócio capitalista.
No mundo das letras e do ensino, que freqüentava em Paris, Denizard Rivail encontrou a senhorita Amélia Boudet, professora com diploma de 1ª classe. Pequena, mas bem proporcionada, gentil e graciosa, rica por seus pais e filha única, inteligente e viva, ela soube por seu sorriso e predicados fazer-se notar pelo Sr. Rivail, em quem adivinhou, sob a franca e comunicativa alegria do homem amável, o pensador sábio e profundo, que aliava grande dignidade à mais esmerada urbanidade.
O registro civil nos informa que:
"Amélie Gabrielle Boudet, filha de Julien-Louis Boudet, proprietário e antigo tabelião, e de Julie Louise Seigneat de Lacombe, nasceu em Thiais (Sena), aos 2 do Frimário do ano IV (23 de novembro de 1795)."
A senhorita Amélia Boudet tinha, pois, mais nove anos que o Sr. Rivail, mas na aparência dir-se-ia ter menos dez que ele, quando, em 6 de fevereiro de 1832, se firmou em Paris o contrato de casamento de Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, diretor do Instituto Técnico à rua de Sèvres (Método de Pestalozzi), filho de Jean-Baptiste Antoine e senhora, Jeanne Duhamel, residentes em Château-du-Loir, com Amélie-Gabrielle Boudet, filha de Julien Louis e senhora Julie Louise Seigneat de Lacombe, residentes em Paris, 35 rua de Sèvres.
O sócio do Sr. Rivail tinha a paixão do jogo; arruinou o sobrinho, perdendo grossas somas em Spa e em Aix-la-Chapelle. O Sr. Rivail requereu a liquidação do Instituto, de cuja partilha couberam 45.000 francos a cada um deles. Essa soma foi colocada pelo Sr. e Sra. Rival em casa de um dos seus amigos íntimos, negociante, que fez maus negócios e cuja falência nada deixou aos credores.
Longe de desanimar com esse duplo revés, o Sr. e Sra. Rivail lançaram-se corajosamente ao trabalho. Ele encontrou e pôde encarregar-se da contabilidade de três casas, que lhe produziam cerca de 7.000 francos por ano; e, terminado o seu dia, esse trabalhador infatigável escrevia à noite, ao serão, gramáticas, aritméticas, livros para estudos pedagógicos superiores; traduzia obras inglesas e alemãs e preparava todos os cursos de Levy-Alvarès, freqüentados por discípulos de ambos os sexos do faubourg Saint-Germain. Organizou também em sua casa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de química, física, astronomia e anatomia comparada, de 1835 a 1840, e que eram muito freqüentados.
Membro de várias sociedades sábias, notadamente da Academia Real d’Arras, foi premiado, por concurso, em 1831, pela apresentação da sua notável memória: Qual o sistema de estudo mais em harmonia com as necessidades da época?
Dentre as suas numerosas obras convém citar, por ordem cronológica: Plano apresentado para o melhoramento da instrução pública, em 1828; em 1829, segundo o método de Pestalozzi, ele publicou, para uso das mães de família e dos professores, o Curso prático e teórico de aritmética; em 1831 fez aparecer a Gramática francesa clássica; em 1846 o Manual dos exames para obtenção dos diplomas de capacidade, soluções racionais das questões e problemas de aritmética e geometria; em 1848 foi publicado o Catecismo gramatical da língua francesa; finalmente, em 1849, encontramos o Sr. Rivail professor no Liceu Polimático, regendo as cadeiras de Fisiologia, Astronomia, Química e Física. Em uma obra muito apreciada resume seus cursos, e depois publica: Ditados normais dos exames na Municipalidade e na Sorbona; Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas.
Tendo sido essas diversas obras adotadas pela Universidade de França, e vendendo-se abundantemente, pôde o Sr. Rivail conseguir, graças a elas e ao seu assíduo trabalho, uma modesta abastança. Como se pode julgar por esta muito rápida exposição, o Sr. Rivail estava admiravelmente preparado para a rude tarefa que ia ter que desempenhar e fazer triunfar. Seu nome era conhecido e respeitado, seus trabalhos justamente apreciados, muito antes que ele imortalizasse o nome de Allan Kardec.
Prosseguindo em sua carreira pedagógica, o Sr. Rivail poderia viver feliz, honrado e tranqüilo, estando a sua fortuna reconstruída pelo trabalho perseverante e pelo brilhante êxito que lhe havia coroado os esforços; mas a sua missão o chamava a uma tarefa mais onerosa, a uma obra maior, e, como teremos muitas vezes ocasião de o evidenciar, ele sempre se mostrou à altura da missão gloriosa que lhe estava reservada. Seus pendores, suas aspirações, tê-lo-iam impelido para o misticismo, mas a educação, o juízo reto, a observação metódica, conservaram-no igualmente ao abrigo dos entusiasmos desarrazoados e das negações não justificadas.
Foi em 1854 que o Sr. Rivail ouviu pela primeira vez falar nas mesas girantes, a princípio do Sr. Fortier, magnetizador, com o qual mantinha relações, em razão dos seus estudos sobre o Magnetismo. O Sr. Fortier lhe disse um dia: "Eis aqui uma coisa que é bem mais extraordinária: não somente se faz girar uma mesa, magnetizando-a, mas também se pode fazê-la falar. Interroga-se, e ela responde."
- Isso, replicou o Sr. Rivail, é uma outra questão; eu acreditarei quando vir e quando me tiverem provado que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir, e que se pode tornar sonâmbula. Até lá, permita-me que não veja nisso senão uma fábula para provocar o sono.
Tal era a princípio o estado de espírito do Sr. Rivail, tal o encontraremos muitas vezes, não negando coisa alguma por parti pris, mas pedindo provas e querendo ver e observar para crer; tais nos devemos mostrar sempre no estudo tão atraente das manifestações do Além.
Até agora, não vos falei senão do Sr. Rivail, professor emérito, autor pedagógico de renome. Nessa época, porém, da sua vida, de 1854 a 1856, um novo horizonte se rasga para esse pensador profundo, para esse sagaz observador. Então o nome de Rivail se obumbra, para ceder o lugar ao de Allan Kardec, que a fama levará a todos os cantos do globo, que todos os ecos repetirão e que todos os nossos corações idolatram.
Eis aqui como Allan Kardec nos revela as suas dúvidas, as suas hesitações e também a sua primeira iniciação:
"Eu me encontrava, pois, no ciclo de um fato inexplicado, contrário, na aparência, às leis da Natureza e que minha razão repelia. Nada tinha ainda visto nem observado; as experiências feitas em presença de pessoas honradas e dignas de fé me firmavam na possibilidade do efeito puramente material; mas a idéia, de uma mesa falante, não me entrava ainda no cérebro.
"No ano seguinte - era no começo de 1855 - encontrei o Sr. Carlotti, um amigo de há vinte e cinco anos, que discorreu acerca desses fenômenos durante mais de uma hora, com o entusiasmo que ele punha em todas as idéias novas. O Sr. Carlotti era corso de origem, de natureza ardente e enérgica; eu tinha sempre distinguido nele as qualidades que caracterizavam uma grande e bela alma, mas desconfiava da sua exaltação. Ele foi o primeiro a falar-me da intervenção dos Espíritos, e contou-me tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencerem, aumentaram as minhas dúvidas. - Você um dia será dos nossos - disse-me ele. - Não digo que não, respondi-lhe eu -; veremos isso mais tarde.
"Daí a algum tempo, pelo mês de maio de 1855, estive, em casa da sonâmbula Sra. Roger, com o Sr. Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que me falaram desses fenômenos no mesmo sentido que o Sr. Carlotti, mas noutro tom.
O Sr. Pâtier era funcionário público, de certa idade, homem muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu-me viva impressão, e, quando ele me convidou para assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, rua Grange-Batelière n° 18, aceitei com solicitude. A entrevista foi marcada para a terça-feira de maio, às 8 horas da noite.
"Foi aí, pela primeira vez, que testemunhei o fenômeno das mesas girantes, que saltavam e corriam, e isso em condições tais que a dúvida não era possível.
"Aí vi também alguns ensaios muito imperfeitos de escrita mediúnica em uma ardósia com o auxílio de uma cesta. Minhas idéias estavam longe de se haver modificado, mas naquilo havia um fato que devia ter uma causa. Entrevi, sob essas aparentes futilidades e a espécie de divertimento que com esses fenômenos se fazia, alguma coisa de sério e como que a revelação de uma nova lei, que a mim mesmo prometi aprofundar.
"A ocasião se me ofereceu e pude observar mais atentamente do que tinha podido fazer. Em um dos serões da Sra. Plainemaison, fiz conhecimento com a família Baudin, que morava então à rua Rochechouart. O Sr. Baudin fez-me oferecimento no sentido de assistir às sessões hebdomadárias que se efetuavam em sua casa, e às quais eu fui, desde esse momento, muito assíduo.
"Foi aí que fiz os meus primeiros estudos sérios em Espiritismo, menos ainda por efeito de revelações que por observação. Apliquei a essa nova ciência, como até então o tinha feito, o método da experimentação; nunca formulei teorias preconcebidas; observava atentamente, comparava, deduzia as conseqüências; dos efeitos procurava remontar às causas pela dedução, pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo como válida uma explicação, senão quando ela podia resolver todas as dificuldades da questão.
Foi assim que sempre procedi em meus trabalhos anteriores, desde a idade de quinze a dezessete anos. Compreendi, desde o princípio, a gravidade da exploração que ia empreender. Entrevi nesses fenômenos a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro, a solução do que havia procurado toda a minha vida; era, em uma palavra, uma completa revolução nas idéias e nas crenças; preciso, portanto, se fazia agir com circunspeção e não levianamente, ser positivista e não idealista, para me não deixar arrastar pelas ilusões.
"Um dos primeiros resultados das minhas observações foi que os Espíritos, não sendo senão as almas dos homens, não tinham nem a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que o seu saber era limitado ao grau do seu adiantamento, e que a sua opinião não tinha senão o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o começo, evitou-me o grave escolho de crer na sua infalibilidade e preservou-me de formular teorias prematuras sobre a opinião de um só ou de alguns.
"Só o fato da comunicação com os Espíritos, o que quer que eles pudessem dizer, provava a existência de um mundo invisível ambiente; era já um ponto capital, um imenso campo franqueado às nossas explorações, a chave de uma multidão de fenômenos inexplicados. O segundo ponto, não menos importante, era conhecer o estado desse mundo e seus costumes, se assim nos podemos exprimir. Cedo, observei que cada Espírito, em razão de sua posição pessoal e de seus conhecimentos, desvendava-me uma fase desse mundo, exatamente como se chega a conhecer o estado de um país interrogando os habitantes de todas as classes e condições, podendo cada qual nos ensinar alguma coisa e nenhum deles podendo, individualmente, ensinar-nos tudo. Cumpre ao observador formar o conjunto, com o auxílio dos documentos recolhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e confrontados entre si. Eu, pois, agi com os Espíritos como teria feito com os homens: eles foram, para mim, desde o menor até o mais elevado, meios de colher informações e não reveladores predestinados."
A estas informações, colhidas nas Obras Póstumas de Allan Kardec, convém acrescentar que a princípio o Sr. Rivail, longe de ser um entusiasta dessas manifestações e absorvido por outras preocupações, esteve a ponto de as abandonar, o que talvez tivesse feito se não fossem as instantes solicitações dos Srs. Carlotti, René Taillandier, membro da Academia das Ciências, Tiedeman-Manthèse, Sardou, pai e filho, e Diddier, editor, que acompanhavam havia cinco anos o estudo desses fenômenos e tinham reunido cinqüenta cadernos de comunicações diversas, que não conseguiam pôr em ordem. Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese do Sr. Rivail, esses senhores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles tomasse conhecimento e os pusesse em termos -, os arranjasse. Este trabalho era árduo e exigia muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas comunicações; e o sábio enciclopedista recusava-se a essa tarefa enfadonha e absorvente, em razão de outros trabalhos.
Uma noite, seu Espírito protetor, Z., deu-lhe, por um médium, uma comunicação toda pessoal, na qual lhe dizia, entre outras coisas, tê-lo conhecido em uma precedente existência, quando, ao tempo dos Druidas, viviam juntos nas Gálias. Ele se chamava, então, Allan Kardec, e, como a amizade que lhe havia votado só fazia aumentar, prometia-lhe esse Espírito secundá-lo na tarefa muito importante a que ele era chamado, e que facilmente levaria a termo.
O Sr. Rivail, pois, lançou-se à obra; tomou os cadernos, anotou-os com cuidado. Após atenta leitura, suprimiu as repetições e pôs na respectiva ordem cada ditado, cada relatório de sessão; assinalou as lacunas a preencher, as obscuridades a aclarar, e preparou as perguntas necessárias para chegar a esse resultado.
"Até então, diz ele próprio, as sessões em casa do Sr. Baudin não tinham nenhum fim determinado; propus-me, aí, fazer resolver os problemas que me interessavam sob o ponto de vista da filosofia, da psicologia e da natureza do mundo invisível.
Comparecia a cada sessão com uma série de questões preparadas e metodicamente dispostas: eram respondidas com precisão, profundeza e de modo lógico. Desde esse momento as reuniões tiveram caráter muito diferente, e, entre os assistentes, encontravam-se pessoas sérias que tomaram vivo interesse pelo trabalho. Se me acontecia faltar, ficavam as sessões como que tolhidas, tendo as questões fúteis perdido o atrativo para o maior número. A princípio eu não tinha vista senão a minha própria instrução; mais tarde, quando vi que tudo aquilo formava um conjunto e tomava as proporções de uma doutrina, tive o pensamento de o publicar, para instrução de todos. Foram essas mesmas questões que, sucessivamente desenvolvidas e completadas, fizeram a base de O Livro dos Espíritos."
Em 1856, o Sr. Rivail freqüentou as reuniões espíritas que se realizavam à rua Tiquetone, em casa do Sr. Roustan, com Mlle. Japhet, sonâmbula, que obtinha como médium comunicações muito interessantes, com o auxílio da cesta aguçada; fez examinar por esse médium as comunicações obtidas e postas precedentemente em ordem. Esse trabalho foi efetuado, a princípio, nas sessões ordinárias; mas a pedido dos Espíritos, e para que fosse consagrado mais cuidado, mais atenção a esse exame, foi continuado em sessões particulares.
"Não me contentei com essa verificação, diz ainda Allan Kardec, que os Espíritos me haviam recomendado. Tendo-me as circunstâncias posto em relação com outros médiuns, toda vez que se oferecia ocasião, eu a aproveitava para propor algumas das questões que me pareciam mais melindrosas. Foi assim que mais de dez médiuns prestaram seu concurso a esse trabalho. E foi da comparação e da fusão de todas essas respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes refeitas no silêncio da meditação, que formei a primeira edição de O Livro dos Espíritos, a qual apareceu em 18 de abril de 1857."
Esse livro era em formato grande, in-4, em duas colunas, uma para as perguntas e outra, em frente, para as respostas. No momento de publicá-lo, o autor ficou muito embaraçado em resolver como o assinaria, se com o seu nome - Denizard-Hippolyte-Léon Rivail, ou com um pseudônimo. Sendo o seu nome muito conhecido do mundo científico, em virtude dos seus trabalhos anteriores, e podendo originar uma confusão, talvez mesmo prejudicar o êxito do empreendimento, ele adotou o alvitre de o assinar com o nome de Allan Kardec que, segundo lhe revelara o guia, ele tivera ao tempo dos Druidas.
A obra alcançou tal êxito que a primeira edição foi logo esgotada. Allan Kardec reeditou-a em 1858 sob a forma atual in-12, revista, correta e consideravelmente aumentada.
No dia 25 de março de 1856 estava Allan Kardec em seu gabinete de trabalho, em via de compulsar as comunicações e preparar o O Livro dos Espíritos, quando ouviu ressoarem pancadas repetidas no tabique; procurou, sem descobrir, a causa disso, e em seguida tornou a pôr mãos à obra. Sua mulher, entrando cerca das dez horas, ouviu os mesmos ruídos; procuraram, mas sem resultado, de onde podiam eles provir. Moravam, então, à rua dos Mártires n° 8, no segundo andar, ao fundo.
"No dia seguinte, sendo dia de sessões em casa do Sr. Baudim, escreve Allan Kardec, contei o fato e pedi a explicação dele.
Pergunta: - Ouvistes o fato que acabo de narrar; podereis dizer-me a causa dessas pancadas que se fizeram ouvir com tanta insistência?
Resposta: - Era o teu Espírito familiar.
P. - Com que fim, vinha ele bater assim?
R. - Queria comunicar-se contigo.
P. - Poderei dizer-me o que queria ele?
R. - Podes perguntar a ele mesmo, porque está aqui.
P. - Meu Espírito familiar, quem quer que sejais, agradeço-vos terdes vindo visitar-me. Quereis ter a bondade de dizer-me quem sois?
R. - Para ti chamar-me-ei a Verdade, e todos os meses, durante um quarto de hora, estarei aqui, à tua disposição.
P. - Ontem, quando batestes, enquanto eu trabalhava, tínheis alguma coisa de particular a dizer-me?
R. - O que eu tinha a dizer-te era sobre o trabalho que fazias; o que escrevias me desagradava e eu queria fazer-te parar.
NOTA - O que eu escrevia era precisamente relativo aos estudos que fazia sobre os Espíritos e suas manifestações.
P. - A vossa desaprovação versava sobre o capítulo que eu escrevia, ou sobre o conjunto do trabalho?
R. - Sobre o capítulo de ontem: faço-te juiz dele. Torna a lê-lo esta noite; reconhecer-lhe-ás os erros e os corrigirás.
P. - Eu mesmo não estava muito satisfeito com esse capítulo e o refiz hoje. Está melhor?
R. - Está melhor, mas não muito bom. Lê da terceira à trigésima linha e reconhecerás um grave erro.
P. - Rasguei o que tinha feito ontem.
R. - Não importa. Essa inutilização não impede que subsista o erro. Relê e verás.
P. - O nome de Verdade que tomais é uma alusão à verdade que procuro?
R. - Talvez, ou, pelo menos, é um guia que te há de auxiliar e proteger.
P. - Posso evocar-vos em minha casa?
R. - Sim, para que eu te assista pelo pensamento; mas, quanto a respostas escritas em tua casa, não será tão cedo que as poderás obter.
P. - Podereis vir mais freqüentemente que todos os meses?
R. - Sim; mas não prometo senão uma vez por mês, até nova ordem.
P. - Animastes alguma personagem conhecida na Terra?
R. - Disse-te que para ti eu era a Verdade, o que da tua parte devia importar discrição; não saberás mais que isto."
De volta a casa, Allan Kardec apressou-se a reler o que escrevera e pôde verificar o grave erro que com efeito havia cometido. A dilação de um mês, fixada para cada comunicação do Espírito Verdade, raramente foi observada. Ele se manifestou freqüentemente a Allan Kardec, mas não em sua casa, onde durante cerca de um ano não pôde este receber nenhuma comunicação por médium algum e, cada vez que ele esperava obter alguma coisa, era obstado por uma causa qualquer e imprevista, que a isso se vinha opor.
Foi a 30 de abril de 1856, em casa do Sr. Roustan, pela médium Mlle. Japhet, que Allan Kardec recebeu a primeira revelação da missão que tinha a desempenhar. Esse aviso, a princípio muito vago, foi precisado no dia 12 de junho de 1856, por intermédio de Mlle. Aline C., médium. A 6 de maio de 1857, a Sra. Cardone, pela inspeção das linhas da mão de Allan Kardec, confirmou as duas comunicações precedentes, que ela ignorava. Finalmente, a 12 de abril de 1860, em casa do Sr. Dehan, sendo intermediário o Sr. Croset, médium, essa missão foi novamente confirmada em uma comunicação espontânea, obtida na ausência de Allan Kardec.
Assim, também, se deu a respeito do seu pseudônimo. Numerosas comunicações, procedentes dos mais diversos pontos, vieram reafirmar e corroborar a primeira comunicação obtida a esse respeito.
Urgido pelos acontecimentos e pelos documentos que tinha em seu poder, Allan Kardec formara, em razão do êxito de O Livro dos Espíritos, o projeto de criar um jornal espírita. Havia-se dirigido ao Sr. Tiedeman, para solicitar-lhe o concurso pecuniário, mas este não estava resolvido a tomar parte nessa empresa. Allan Kardec perguntou aos seus guias, no dia 15 de novembro de 1857, por intermédio da Srta. E. Dufaux, o que deveria fazer.
Foi-lhe respondido que pusesse a sua idéia em execução e que não se inquietasse com o resto.
"Apressei-me em redigir o primeiro número, diz Allan Kardec, e o fiz aparecer no dia 1° de janeiro de 1858, sem nada dizer a pessoa alguma. Não tinha um único assinante, nem sócio capitalista. Fi-lo, pois, inteiramente por minha conta e risco, e não tive de que me arrepender, porque o êxito ultrapassou a minha expectativa. A partir de 1° de janeiro, os números se sucederam sem interrupção, e, como o previra o Espírito, esse jornal se me tornou em poderoso auxiliar. Reconheci, mais tarde, que era uma felicidade para mim não ter tido um sócio capitalista, porque estava mais livre, enquanto que um estranho interessado teria pretendido impor-me as suas idéias e a sua vontade e poderia embaraçar-me a marcha. Só, eu não tinha que prestar contas a ninguém, por mais onerosa que, como trabalho, fosse a minha tarefa."
E essa tarefa devia ir sempre crescendo em labor e em responsabilidades, em lutas incessantes contra obstáculos, emboscadas, perigos de toda sorte. À medida, porém, que a lide se tornava mais áspera, esse enérgico trabalhador se elevava, também, à altura dos acontecimentos, que nunca o surpreenderam; e durante onze anos, nessa Revista Espírita, que acabamos de ver como começou tão modestamente, ele afrontou todas as tempestades, todas as emulações, todos os ciúmes que não lhe foram poupados, como ele mesmo relata e como lhe fora anunciado ao ser-lhe revelada a sua missão. Essa comunicação e as reflexões de que as anotou Allan Kardec nos mostram, sob um prisma pouco lisonjeiro, a situação naquela época, mas fazem também ressaltar o grande valor do fundador do Espiritismo e o seu mérito em ter sabido triunfar:
Médium, Mlle. Aline C. - 12 de junho de 1856:
P. - Quais são as causas que me poderiam fazer fracassar? Seria a insuficiência das minhas aptidões?
R. - Não; mas a missão dos reformadores é cheia de escolhos e perigos; a tua é rude; previno-te, porque é ao mundo inteiro que se trata de agitar e de transformar.
Não creias que te seja suficiente publicar um livro, dois livros, dez livros, e ficares tranqüilamente em tua casa; não, é preciso te mostrares no conflito; contra ti se açularão terríveis ódios, implacáveis inimigos tramarão a tua perda; estarás exposto à calúnia, à traição, mesmo daqueles que te parecerão mais dedicados; as tuas melhores instruções serão impugnadas e desnaturadas; sucumbirás mais de uma vez ao peso da fadiga; em uma palavra, é uma luta quase constante que terás de sustentar com o sacrifício do teu repouso, da tua tranqüilidade, da tua saúde e mesmo da tua vida, porque tu não viverás muito tempo. Pois bem. Mais de um recua quando, em lugar de uma vereda florida, não encontra sob seus passos senão espinhos, agudas pedras e serpentes. Para tais missões não basta a inteligência. É preciso antes de tudo, para agradar a Deus, humildade, modéstia, desinteresse, porque abatem os orgulhosos e os presunçosos. Para lutar contra os homens, é necessário coragem, perseverança e firmeza inquebrantáveis; é preciso, também, ter prudência e tato para conduzir as coisas a propósito e não comprometer-lhes o êxito por medidas ou palavras intempestivas; é preciso, enfim, devotamento, abnegação, e estar pronto para todos os sacrifícios.
"Vês que a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti.
Espírito Verdade."
NOTA - (É Allan Kardec que assim se exprime):
"Escrevo esta nota no dia 1° de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que esta comunicação me foi dada, e verifico que ela se realizou em todos os pontos, porque experimentei todas as vicissitudes que nela me foram anunciadas. Tenho sido alvo do ódio de implacáveis inimigos, da injúria, da calúnia, da inveja e do ciúme; têm sido publicados contra mim infames libelos; as minhas melhores instruções têm sido desnaturadas; tenho sido traído por aqueles em quem depositara confiança, e pago com a ingratidão por aqueles a quem tinha prestado serviços. A Sociedade de Paris tem sido um contínuo foco de intrigas, urdidas por aqueles que se diziam a meu favor, e que, mostrando-se amáveis em minha presença, me detratavam na ausência.
Disseram que aqueles que adotavam o meu partido eram assalariados por mim com o dinheiro que eu arrecadava do Espiritismo. Não mais tenho conhecido o repouso; mais de uma vez, sucumbi; sob o excesso do trabalho, tem-se-me alterado a saúde e comprometido a vida.
"Entretanto, graças à proteção e à assistência dos bons Espíritos, que sem cessar me têm dado provas manifestas de sua solicitude, sou feliz em reconhecer que não tenho experimentado um único instante de desfalecimento nem de desânimo, e que tenho constantemente prosseguido na minha tarefa com o mesmo ardor, sem me preocupar com a malevolência de que era alvo. Segundo a comunicação do Espírito Verdade, eu devia contar com tudo isso, e tudo se verificou."
Quando se conhecem todas essas lutas, todas as torpezas de que Allan Kardec foi alvo, quanto ele se engrandece aos nossos olhos e como o seu brilhante triunfo adquire mérito e esplendor! Que se tornaram esses invejosos, esses pigmeus que procuravam obstruir-lhe o caminho? Na maior parte são desconhecidos os seus nomes, ou nenhuma recordação despertam mais: o esquecimento os retomou e sepultou para sempre em suas sombras, enquanto que o de Allan Kardec, o intrépido lutador, o pioneiro ousado, passará à posteridade com a sua auréola de glória tão legitimamente adquirida.
A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas foi fundada a 1° de abril de 1858. Até então, as reuniões se realizavam em casa de Allan Kardec, à rua dos Mártires, com Mlle. E. Dufaux, como principal médium; o seu salão poderia conter de quinze a vinte pessoas. Cedo, aí reuniu ele mais de trinta. Tornando-se, então, esse local muito acanhado e não querendo onerar Allan Kardec com todos os encargos, alguns dos assistentes se propuseram formar uma sociedade espírita e alugar um outro local em que se efetuassem as reuniões. Mas era preciso, para se poderem reunir, obter o reconhecimento e a autorização da Polícia.
O Sr. Dufaux, que conhecia pessoalmente o prefeito de polícia de então, encarregou-se de dar os passos para esse fim, e, graças ao ministro do Interior, o general X., que era favorável às novas idéias, a autorização foi obtida em quinze dias, enquanto que pelo processo ordinário teria exigido meses, sem grande probabilidade de êxito.
"A Sociedade foi, então, regularmente constituída e reunia-se todas as terças-feiras, no local que fora alugado no Palais-Royal, galeria Valois. Aí ficou durante um ano, de 1° de abril de 1858 a 1° de abril de 1859. Não podendo lá permanecer por mais tempo, reunia-se todas as sextas-feiras em um dos salões do restaurante Douix, no Palais-Royal, galeria Montpensier, de 1° de abril de 1859 a 1° de abril de 1860, época em que se instalou em sede própria, à rua e passagem Sant’Ana n° 59."
Depois de haver dado conta das condições em que se formou a Sociedade e da tarefa que teve a desempenhar, Allan Kardec assim se exprime (Revista Espírita, 1859, pág. 169):
"Empreguei em minhas funções, que posso dizer laboriosas, toda a solicitude e toda a dedicação de que era capaz; do ponto de vista administrativo, esforcei-me por manter nas sessões uma ordem rigorosa e por imprimir-lhe um caráter de gravidade, sem o qual o prestígio de assembléia séria teria cedo desaparecido. Agora, que a minha tarefa está terminada e que o impulso está dado, devo inteirar-vos da resolução que tomei, de renunciar de futuro a toda espécie de função na Sociedade, mesmo a de diretor dos estudos; não ambiciono senão um título - o de simples membro titular, com que me sentirei sempre feliz e honrado. O motivo da minha determinação está na multiplicidade dos meus trabalhos, que aumentam todos os dias, pela extensão das minhas relações; porque, além daqueles que conheceis, preparo outros trabalhos mais consideráveis, que exigem longos e laboriosos estudos e não absorverão menos de dez anos; ora, os trabalhos da Sociedade não deixam de tomar muito tempo, quer para o preparo, quer para a coordenação e a passagem a limpo. Reclamam assiduidade muitas vezes prejudicial às minhas ocupações pes soais, pois que se torna indispensável a iniciativa quase exclusiva que me tendes deixado.
É a esse motivo, meus senhores, que eu devo o ter tantas vezes tomado a palavra, lamentando com freqüência que os membros eminentemente esclarecidos que possuímos nos privassem das suas luzes. Desde muito tempo alimentava o desejo de demitir-me das minhas funções: manifestei-o de modo muito explícito em diversas ocasiões, quer aqui, quer em particular a muitos dos meus colegas, e especialmente ao Sr. Ledoyen. Tê-lo-ia feito mais cedo, se não fora o temor de produzir uma perturbação na Sociedade. Retirando-me no meado do ano, poderiam acreditar em uma deserção, e era preciso não dar esse prazer aos nossos adversários. Desempenhei, portanto, a minha tarefa até ao fim; hoje, porém, que esses motivos cessaram, apresso-me em vos dar parte da minha resolução, para não embaraçar a escolha que fareis. É justo que cada um tenha a sua parte nos encargos e nas honras."
Apressemo-nos a acrescentar que essa demissão não foi aceita e que Allan Kardec foi reeleito por unanimidade, menos um voto e uma cédula em branco. Diante desse testemunho de simpatia, ele se submeteu e se conservou em suas funções.
Em setembro de 1860, Allan Kardec fez uma viagem de propaganda à nossa região, e eis aqui como a ela fez referência na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:
"O Sr. Allan Kardec dá conta do resultado da viagem que acaba de fazer, no interesse do Espiritismo, e felicita-se pela cordialidade do acolhimento que por toda parte encontrou, especialmente em Sens, Mácon, Lião e Saint-Etienne. Observou, em todo lugar em que se demorou, os progressos consideráveis da doutrina; mas o que sobretudo é digno de nota, é que em parte alguma viu que dela se fizesse um divertimento, mas, que, ao contrário, dela se ocupam de modo sério, e que por toda parte lhe compreendem o alcance e as conseqüências futuras. Há, sem dúvida, muitos adversários, sendo os mais encarniçados os inimigos interessados, mas os motejadores diminuem sensivelmente; vendo que os seus sarcasmos não colocam do seu lado os gracejadores, e que auxiliam mais do que impedem o progresso das novas crenças, começam a compreender que nada ganham com isso e que consomem o seu espírito em pura perda, e assim se calam. Uma frase muito característica parece ser em toda parte a ordem do dia, e é esta: o Espiritismo está no ar; só por si desenha ela o estado das coisas. Mas, é sobretudo em Lião que são mais notáveis os resultados. Os espíritas são, aí, numerosos em todas as classes, e na classe operária contam-se por centenas. A Doutrina Espírita tem exercido sobre os operários a mais salutar influência, sob o ponto de vista da ordem, da moral e das idéias religiosas; em resumo, a propagação do Espiritismo marcha com a mais animadora celeridade."
No decurso dessa viagem, Allan Kardec pronunciou um discurso magistral, no banquete realizado a 19 de setembro de 1860, do qual eis aqui algumas passagens, próprias a nos interessar, a nós que aspiramos a substituir dignamente esses trabalhadores da primeira hora:
"A primeira coisa que me impressionou foi o números de adeptos; eu sabia perfeitamente que Lião os contava em grande escala, mas estava longe de imaginar que o número fosse tão considerável, porque é por centenas que eles se contam, e, em pouco tempo - eu o espero -, já se não poderão contar mais.
"Se, porém, Lião se distingue pelo número, não o faz menos pela qualidade, o que ainda vale mais. Por toda parte não encontrei senão espíritas sinceros, compreendendo a doutrina sob seu verdadeiro ponto de vista. Há, meus senhores, três categorias de adeptos: uns que se limitam a crer na realidade das manifestações e que procuram, antes de tudo, os fenômenos; o Espiritismo é simplesmente para eles uma série de fatos mais ou menos interessantes. Os segundos vêem outra coisa nele além dos fatos, compreendem o seu alcance filosófico, admiram a moral que deles decorre, mas não a praticam; para eles, a caridade cristã é uma bela máxima, e nada mais. Os terceiros, finalmente, não se contentam de admirar a moral: praticam-na e aceitam-lhe as conseqüências.
Bem convencidos de que a existência terrestre é uma prova passageira, esforçam-se por aproveitar esses curtos instantes, para marchar na senda do progresso que lhes traçam os Espíritos, emprenhando-se em fazer o bem e em reprimir as suas más inclinações; as suas relações são sempre seguras, porque as suas convicções os afastam de todo pensamento do mal; a caridade é, em toda ocasião, a regra da sua conduta: são esses os verdadeiros espíritas, ou, melhor, os espíritas-cristãos.
"Pois bem, meus senhores, eu vo-lo digo com satisfação: ainda não encontrei, aí, nenhum adepto da primeira categoria; em parte alguma vi que se ocupassem do Espiritismo por mera curiosidade, com frívolos intuitos; por toda parte o fim é grave, as intenções são sérias; e, a crer no que me dizem, há muitos da terceira categoria. Honra, pois, aos espíritas lioneses, por terem, assim, entrado largamente nessa senda progressista, sem a qual o Espiritismo não teria objetivo. Este exemplo não será perdido, terá suas conseqüências, e não é sem razão - eu o vejo - que os Espíritos me responderam noutro dia, por um dos vossos médiuns mais dedicados, posto que dos mais obscuros, quando eu lhes exprimia a minha surpresa: "Por que te admiras disso? Lião foi a cidade dos mártires; a fé aí é vivaz; ela fornecerá apóstolos ao Espiritismo. Se Paris é a cabeça, Lião será o coração."
Essa opinião de Allan Kardec, sobre os espíritas lioneses de sua época, é para nós grande honra, mas deve ser também uma regra de conduta. Devemos esforçar-nos por merecer esses elogios, aprofundando por nossa vez as lições do Mestre e, sobretudo, conformando com elas o nosso proceder. Noblesse oblige, diz um adágio; saibamo-nos recordar sempre disso e conservar alto e firme o estandarte do Espiritismo.
Mas, Allan Kardec não se contentava em atirar flores sobre nossos companheiros; dava-lhes, sobretudo, sábios conselhos, sobre os quais, por nossa vez, deveremos meditar.
"Vindo dos Espíritos o ensino, os diferentes grupos, tantos como os indivíduos, se acham sob a influência de certos Espíritos, que presidem aos seus trabalhos, ou os dirigem moralmente.
Se esses Espíritos não se acham de acordo, a questão está em saber qual é o que merece maior confiança; será, evidentemente, aquele cuja teoria não pode provocar nenhuma objeção séria, em uma palavra, aquele que, em todos os pontos, dá maior número de provas de superioridade. Se tudo nesse ensino é bom, racional, pouco importa o nome que toma o Espírito; e a esse respeito a questão de identidade é inteiramente secundária. Se, sob um nome respeitável, o ensino peca pelas qualidades essenciais, podeis imediatamente concluir que é um nome apócrifo e que é um Espírito impostor ou galhofeiro. Regra geral: o nome nunca é uma garantia; a única, a verdadeira garantia de superioridade é o pensamento e a maneira porque é ele expresso. Os Espíritos enganadores tudo podem imitar, tudo, exceto o verdadeiro saber e o verdadeiro sentimento.
"Acontece muitas vezes que, para fazer adotar certas utopias, alguns Espíritos fazem alarde de um falso saber e pensam impô-las, escolhendo no arsenal das palavras técnicas tudo o que pode fascinar aquele que é facilmente crédulo. Eles têm, ainda, um meio mais certo: é afetar as exterioridades da virtude; com o auxílio das grandes palavras - caridade, fraternidade, humildade - esperam fazer passar os mais grosseiros absurdos e é o que acontece muitas vezes, quando se não está precavido. É preciso, pois, evitar o deixar-se seduzir pelas aparências, tanto da parte dos Espíritos, quanto da dos homens; ora, eu o confesso, aí está uma das maiores dificuldades; mas, nunca se disse que o Espiritismo fosse uma ciência fácil; tem seus escolhos que se não podem evitar senão pela experiência. Para escapar à cilada, é preciso, antes de tudo, fugir ao entusiasmo que cega, ao orgulho que leva certos médiuns a acreditarem-se os únicos intérpretes da verdade; é preciso que tudo seja friamente examinado, maduramente pesado, confrontado, e, se desconfiamos do próprio julgamento, o que é muitas vezes mais prudente, é preciso recorrer a outras pessoas, segundo o provérbio: que quatro olhos vêem melhor do que dois. Só um falso amor próprio ou uma obsessão podem fazer persistir em uma idéia notoriamente falsa e que o bom-senso de cada um repele."
Eis os conselhos tão sábios e tão práticos dados por aquele que quiseram fazer passar por um entusiasta, um místico, um alucinado; e essa regra de conduta, estabelecida no começo, ainda não foi invalidada, nem pela observação, nem pelos acontecimentos; é sempre a vereda mais segura, mais prudente, a única a seguir por aqueles que se querem ocupar do Espiritismo.
Allan Kardec trabalhava, então, em O Livro dos Médiuns, que apareceu na primeira quinzena de janeiro de 1861, editado pelos Srs. Didier & Cia., livreiros-editores. O mestre expõe a sua razão de ser nos seguintes termos, na Revista Espírita:
"Procuramos neste trabalho, fruto de longa experiência e de laboriosos estudos, esclarecer todas as questões que se prendem à prática das manifestações; ele contém, de acordo com os Espíritos, a explicação teórica dos diversos fenômenos e condições em que eles se podem produzir; mas a parte concernente ao desenvolvimento e ao exercício da mediunidade foi, sobretudo, de nossa parte, objeto de atenção toda especial.
"O Espiritismo experimental está cercado de muito mais dificuldades do que se acredita geralmente, e os escolhos, que aí se encontram, são numerosos; é o que produz tanta decepção aos que dele se ocupam sem ter a experiência e os conhecimentos necessários. O nosso fim foi acautelar os investigadores contra tais dificuldades, nem sempre isentas de inconvenientes para quem quer que se aventure, com imprudência, por esse novo terreno. Não podíamos desprezar um ponto tão capital, e o tratamos com cuidado igual à sua importância."
O Livro dos Médiuns é, ainda, o vade-mécum de quantos se querem entregar com proveito à prática do Espiritismo experimental; nada apareceu de melhor nem de mais completo nessa ordem de idéias. É ainda o mais seguro guia de que nos podemos servir para explorar, sem perigo, o terreno da mediunidade.
No ano de 1861, Allan Kardec fez uma nova viagem espírita a Sens, Mácon e Lião, e verificou que em nossa cidade o Espiritismo atingira a maioridade.
"Com efeito, não é mais por centenas, diz ele, que aí se contam os espíritas, como há um ano; é por milhares, ou, para melhor dizer, já se não contam, e pode-se calcular que, seguindo a mesma progressão, dentro de um ano ou dois eles serão mais de trinta mil. O Espiritismo, aí, tem feito adeptos em todas as classes, mas é sobretudo na classe operária que se tem propagado com maior rapidez, e isso não é de admirar: sendo essa classe a que mais sofre, volta-se para o lado que lhe oferece maior consolação. Se aqueles que clamam contra o Espiritismo lhe oferecessem outro tanto, essa classe se voltaria para eles; mas, ao contrário, querem tirar-lhe exatamente aquilo que a ajuda a carregar o seu fardo de miséria. E isto tem sido o meio mais seguro de perderem as suas simpatias e fazê-la engrossar as nossas fileiras. O que vimos com os nossos próprios olhos é de tal modo característico e encerra ensino tão grande, que acreditamos dever consagrar aos operários a maior parte do nosso relatório.
"No ano passado, só havia um único centro de reunião, o dos Brotteaux, dirigido por Dijoux, chefe de oficina, e sua mulher; depois, formaram-se outros em diferentes pontos da cidade: em Guillotière, em Perrache, em Croix-Rousse, em Vaise, em Saint-Just, etc., sem contar grande número de reuniões particulares. Então, havia apenas dois ou três médiuns neófitos; hoje os há em todos os grupos e muitos são de primeira ordem; em um só grupo vimos cinco escreverem simultaneamente. Vimos, igualmente, um rapaz muito bom médium vidente, no qual pudemos verificar essa faculdade desenvolvida no mais alto grau.
"Sem dúvida, muito é para desejar que se multipliquem os adeptos, mas o que mais vale ainda do que o número é a qualidade. Pois bem, declaramo-lo bem alto: não vimos, em parte alguma, reuniões espíritas mais edificantes do que as dos operários lioneses, quanto à ordem, ao recolhimento e à atenção que prestam às instruções dos seus guias espirituais; há homens, velhos, senhoras, jovens, crianças mesmo, cuja atitude respeitosa contrasta com a sua idade; jamais uma única criança perturbou por instantes o silêncio das nossas reuniões, muitas vezes longas; pareciam quase tão ávidas quanto seus pais, em recolher as nossas palavras.
"Mas, isto não é tudo: o número das metamorfoses morais é, entre os operários, quase tão grande quanto o dos adeptos: hábitos viciosos reformados, paixões acalmadas, ódios apaziguados, lares tornados tranqüilos, em uma palavra, as mais legítimas virtudes cristãs desenvolvidas, e isso pela confiança, de agora em diante inabalável, que lhes dão as comunicações espíritas, no futuro em que não acreditavam; é uma felicidade para eles assistirem a essas instruções, de que saem reconfortados contra a adversidade; muitos chegam a galgar mais de uma légua, sob qualquer tempo, inverno ou verão, tudo arrostando para não faltarem a uma sessão; é que neles não há a fé vulgar, mas a baseada sobre uma convicção profunda, raciocinada e não, cega."
Por ocasião dessa viagem, um banquete novamente reuniu sob a presidência de Allan Kardec os membros da grande família espírita lionesa. No dia 19 de setembro de 1860 os convivas eram apenas uns trinta; a 19 de setembro de 1861 o número era de cento e sessenta, "representando os diferentes grupos, que se consideram todos como membros de uma grande família, entre os quais não existe sombra de ciúme e de rivalidade, o que - diz o Mestre -, temos, de passagem, grande satisfação em registrar. A maioria dos assistentes era composta de operários e toda gente notou a perfeita ordem que não cessou de reinar um só instante. É que os verdadeiros espíritas põem sua satisfação nas alegrias do coração e não nos prazeres ruidosos."
A 14 de outubro do mesmo ano encontramos Allan Kardec em Bordéus, onde, como em todas as cidades por que passava, semeava a boa-nova e fazia germinar a fé no futuro.
Além das viagens e dos trabalhos de Allan Kardec, esse ano de 1861 permanecerá memorável nos anais do Espiritismo por um fato de tal modo monstruoso que quase parece incrível. Refiro-me ao auto-de-fé levado a efeito em Barcelona, e em que foram queimadas pela fogueira dos inquisidores trezentas obras espíritas.
O Sr. Maurício Lachâtre estava nessa época estabelecido como livreiro, em Barcelona, em relações e em comunhão de idéias com Allan Kardec. Assim, pediu a este que lhe enviasse certo número de obras espíritas, para as expor à venda e fazer propaganda da nova filosofia.
Essas obras, em número de trezentas aproximadamente, foram expedidas nas condições ordinárias, com uma declaração em ordem do conteúdo das caixas. À sua chegada à Espanha, foram os direitos da alfândega cobrados ao destinatário e arrecadados pelos agentes do governo espanhol; mas a entrega das caixas não se fez: o bispo de Barcelona, tendo julgado esses livros perniciosos à fé católica, fez confiscar a expedição pelo Santo-Ofício.
Uma vez que não queriam entregar essas obras ao destinatário, Allan Kardec reclamou a sua devolução; mas a sua reclamação foi de nulo efeito, e o bispo de Barcelona, erigindo-se em policiador da França, fundamentou a sua recusa com a seguinte resposta: "A Igreja Católica é universal, e sendo esses livros contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles passem a perverter a moral e a religião de outros países."
E não somente esses livros não foram restituídos, mas também os direitos aduaneiros ficaram em poder do fisco espanhol. Allan Kardec poderia promover uma ação diplomática e obrigar o governo espanhol a efetuar o retorno das obras. Os Espíritos, porém, o dissuadiram disso, dizendo que era preferível para a propaganda do Espiritismo deixar essa ignomínia seguir o seu curso.
Renovando os fastos e as fogueiras da idade Média, o bispo de Barcelona fez queimar em praça pública, pela mão do carrasco, as obras incriminadas.
Eis aqui, a título de documento histórico, o processo verbal dessa infâmia clerical:
"Aos nove dias de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez horas e meia da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no lugar em que são executados os criminosos condenados à pena última, por ordem do bispo desta cidade foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:
"A Revista Espírita, diretor Allan Kardec;
"A Revista Espiritualista, diretor Piérart;
"O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec;
"O Livro dos Médiuns, pelo mesmo;
"O que é o Espiritismo, pelo mesmo;
"Fragmento de Sonata, ditado pelo Espírito de Mozart;
"Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Doutor Grand;
"A História de Joanna d’Arc, por ela mesma ditada a Mlle. Ernance Dufaux;
"A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo Barão de Guldenstubbé.
"Assistiram ao auto-de-fé:
"Um padre revestido de hábitos sacerdotais, trazendo em uma das mãos a cruz e, na outra, uma tocha;
"Um tabelião encarregado de redigir o processo verbal do auto-de-fé;
"O escrevente do tabelião;
"Um empregado superior da administração das alfândegas;
"Três mozos (serventes) da alfândega, encarregados de alimentar o fogo;
"Um agente da alfândega, representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo;
"Uma multidão incalculável aglomerava-se nos passeios e cobria a esplanada em que ardia a fogueira.
"Quando o fogo consumiu os trezentos volumes e brochuras espíritas, o padre e os seus ajudantes se retiraram cobertos pelos apupos e as maldições dos numerosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição!
"Em seguida muitas pessoas se acercaram da fogueira e apanharam cinzas."
Seria diminuir o horror de tais atos, acompanhá-los com a narrativa dos comentários; constatemos somente que ao clarão dessa fogueira o Espiritismo tomou um incremento inesperado em toda a Espanha e, como o haviam os Espíritos previsto, conquistou, aí, um número incalculável de adeptos. Só podemos, pois, como o fez Allan Kardec, alegrar-nos com o grande reclamo que esse ato odioso operou em favor do Espiritismo. A propósito, porém, da propaganda que nós mesmos devemos fazer da nossa filosofia, nunca deveremos esquecer estes conselhos do Mestre (Revista Espírita, 1863, pág. 367):
"O Espiritismo se dirige aos que não crêem ou que duvidam, e não aos que têm fé e a quem essa fé é suficiente; ele não diz a ninguém que renuncie às suas crenças para adotar as nossas, e nisto é conseqüente com os princípios de tolerância e de liberdade de consciência que professa. Por esse motivo não poderíamos aprovar as tentativas feitas por certas pessoas para converter às nossas idéias o clero, de qualquer comunhão que seja. Repetiremos, pois, a todos os espíritas: acolhei com solicitude os homens de boa-vontade; oferecei a luz aos que a procuram, porque com os que crêem não sereis bem sucedidos; não façais violência à fé de ninguém, muito mais quanto ao clero que aos seculares, porque semeareis em campos áridos; ponde a luz em evidência, para que a vejam os que quiserem ver; mostrai os frutos da árvore e deles dai de comer aos que têm fome e não aos que se dizem saciados."
Estes conselhos, como todos os de Allan Kardec, são claros, simples e sobretudo práticos; cumpre que deles nos recordemos e os aproveitemos oportunamente.
O ano de 1862 foi fértil em trabalhos favoráveis à difusão do Espiritismo. No dia 15 de janeiro apareceu a pequenina e excelente brochura de propaganda: O Espiritismo em sua mais simples expressão.
"O fim desta publicação, diz Allan Kardec, é apresentar, em quadro muito resumido, um histórico do Espiritismo e uma idéia suficiente da doutrina dos Espíritos, para permitir ser compreendido o seu fim moral e filosófico. Pela clareza e simplicidade do estilo, procuramos pô-lo ao alcance de todas as inteligências. Contamos com o zelo de todos os verdadeiros espíritas, para que lhe auxiliem a propagação."- Este apelo foi ouvido, porque a pequena brochura se espalhou em profusão, devendo muitos a esse excelente trabalho o terem compreendido o fim e o alcance do Espiritismo.
Tendo os nossos predecessores no Espiritismo transmitido a Allan Kardec, por ocasião do Ano-Novo, a expressão dos seus sentimentos de gratidão, eis aqui como respondeu o Mestre a esse testemunho de simpatia:
"Meus caros irmãos e amigos de Lião:
"A manifestação coletiva que tivestes a bondade de transmitir-me, por ocasião do Ano-Novo, produziu-me vivíssima satisfação, provando-me que conservastes de mim uma boa recordação; mas, o que me causou maior prazer, nesse ato espontâneo de vossa parte, foi encontrar, entre as numerosas assinaturas que nele figuram, representantes de quase todos os grupos, porque é um sinal da harmonia que reina entre eles. Sou feliz por ver que compreendestes perfeitamente o fim dessa organização, cujos resultados desde já podeis apreciar, porque deve ser agora evidente para vós que uma sociedade única seria quase impossível.
"Agradeço, meus bons amigos, os votos que fazeis por mim; eles me são tanto mais agradáveis quanto sei que partem do coração, e são os que Deus atende. Ficai, pois, satisfeitos, porque Ele os ouve todos os dias, proporcionando-me a extraordinária satisfação no estabelecimento de uma nova doutrina, de ver aquela a que me tenho dedicado engrandecer e prosperar, em minha vida, com uma rapidez maravilhosa; considero um grande favor do céu ser testemunha do bem que ela já produz.
"Esta certeza, de que recebo diariamente os mais tocantes testemunhos, me paga com usura todos os meus sofrimentos, todas as minhas fadigas; não peço a Deus senão uma graça, e é a de dar-me a força física necessária para ir até ao fim da minha tarefa, que longe se encontra de estar concluída; mas, como quer que suceda, possuirei sempre a maior consolação, pela certeza de que a semente das idéias novas, espalhada agora por toda parte, é imperecível; mais feliz que muitos outros, que não trabalharam senão para o futuro, é-me permitido contemplar os primeiros frutos.
"Se alguma coisa lamento, é que a exigüidade dos meus recursos pessoais me não permita pôr em execução os planos que concebi para um avanço ainda mais rápido; se Deus, porém, em sua sabedoria, entendeu dispor de modo diferente, legarei esses planos aos nossos sucessores, que, sem dúvida, serão mais felizes. A despeito da escassez dos recursos materiais, o movimento que se opera na opinião ultrapassou toda a expectativa; crede, meus irmãos, que nisso o vosso exemplo não terá sido sem influência, Recebei, portanto, as nossas felicitações pela maneira porque sabeis compreender e praticar a Doutrina.
"No ponto a que hoje chegaram as coisas, e tendo em vista a marcha do Espiritismo através dos obstáculos semeados em seu caminho, pode dizer-se que as principais dificuldades estão superadas; ele conquistou o seu lugar e está assente sobre bases que de ora em diante desafiam os esforços dos seus adversários.
"Perguntam como uma doutrina, que torna feliz e melhor, pode ter inimigos; é natural; o estabelecimento das melhores coisas choca sempre interesses, ao começar. Não tem acontecido assim com todas as invenções e descobertas que têm revolucionado a indústria? As que hoje são consideradas como benefícios, sem as quais não se poderia mais passar, não tiveram inimigos obstinados? Toda lei que reprime um abuso não tem contra si todos os que vivem dos abusos?
Como quereríeis que uma doutrina que conduz ao reino da caridade efetiva não fosse combatida por todos os que vivem no egoísmo? E sabeis que são eles numerosos na Terra!
"No começo contaram sepultá-la com a zombaria; hoje vêem que essa arma é impotente e que, sob o fogo dos sarcasmos, ela prosseguiu o seu caminho sem tropeçar. Não acrediteis que se confessem vencidos; não, o interesse material é tenaz. Reconhecendo que é uma potência com que é necessário de hoje em diante contar, vão dirigir-lhe assaltos mais sérios, mas que só servirão diretamente por palavras e atos, e a perseguirão até na pessoa dos seus adeptos, que eles se esforçarão por desalentar a poder de embaraços, enquanto que outros, secretamente e por caminhos disfarçados, procurarão miná-la surdamente.
"Ficai prevenidos de que a luta não está terminada; fui avisado de que eles vão tentar um supremo esforço. Não tenhais, porém, receio: o penhor da vitória está nesta divisa, que é a de todos os verdadeiros espíritas: Fora da caridade não há salvação. Arvorai-a bem alto, porque ela é a cabeça de Medusa para os egoístas.
"A tática, posta já em prática pelos inimigos dos espíritas, mas que eles vão empregar com novo ardor, é tentar dividi-los criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e o ciúme. Não vos deixeis cair no laço, e tende como certo que quem quer que procure um meio, qualquer que seja, para quebrar a boa harmonia, não pode ter boa intenção. É por isso que vos recomendo useis da maior circunspeção na formação dos vossos grupos, não somente para vossa tranqüilidade, como no próprio interesse dos vossos labores.
"A natureza dos trabalhos espíritas exige calma e recolhimento. Ora, não há recolhimento possível se se está preocupado com discussões e com a manifestação de sentimentos malévolos. Não haverá sentimentos malévolos se houver fraternidade; não pode, porém, haver fraternidade em egoístas, ambiciosos e orgulhosos.
Entre orgulhosos, que se suscetibilizam e ofendem por tudo, ambiciosos que se sentirão mortificados se não tiverem a supremacia, egoístas que não pensam senão em si, a cizânia não pode tardar a introduzir-se, e com ela a dissolução. É o que desejariam os nossos inimigos, e é o que eles procuram fazer.
"Se um grupo quer estar em condições de ordem, de tranqüilidade e de estabilidade, é preciso que nele reine o sentimento fraternal. Todo grupo ou sociedade que se formar, sem ter caridade efetiva por base, não tem validade; enquanto que aqueles que forem fundados de acordo com o verdadeiro espírito da doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma família que, não sendo possível habitarem todos sob o mesmo teto, moram em lugares diferentes. A rivalidade entre eles seria um contra-senso; ela não poderia existir onde reina a verdadeira caridade, porque a caridade não se pode entender de duas maneiras.
"Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita na prática da caridade por pensamentos, palavras e obras, e persuadi-vos de quem quer que nutra em sua alma sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja ou de ciúme, mente a si próprio se tem a pretensão de compreender e praticar o Espiritismo.
"O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam os novos e a sociedade em geral..."
Tudo mereceria citação nestes conselhos, tão justos quão práticos; mas é preciso que nos limitemos, em razão do tempo de que podemos dispor.
A pedido dos espíritas de Lião e de Bordéus, Allan Kardec fez, em setembro e outubro, uma longa viagem de propaganda semeando por toda parte a boa-nova e prodigalizando conselhos, mas somente aos que lhos pediam; o convite feito pelos grupos lioneses estava subscrito por quinhentas assinaturas. Uma publicação especial deu conta dessa viagem de mais de seis semanas, durante a qual o Mestre presidiu a mais de cinqüenta reuniões em vinte cidades, onde por toda parte foi alvo do mais cordial acolhimento e se sentiu feliz por verificar os imensos progressos do Espiritismo.
A respeito das viagens de Allan Kardec, como certas influências hostis houvessem espalhado o boato de que eram feitas a expensas da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, sobre cujo orçamento igualmente ele sacava de antemão todos os seus gastos de correspondência e de manutenção, o Mestre rebateu, assim, essa falsidade:
"Muitas pessoas, sobretudo na província, pensaram que as despesas dessas viagens oneravam a Sociedade de Paris; tivemos que desfazer esse erro quando se ofereceu a ocasião; aos que ainda o pudessem partilhar, recordaremos o que afirmamos noutra circunstância (número de junho de 1862, página 167, Revista Espírita), que a Sociedade se limita a prover às suas despesas correntes e não possui reservas; para que pudesse acumular capital, ser-lhe-ia preciso que tivesse em mira o número; e isto é o que ela não faz nem quer fazer, porque o seu fim não é a especulação e porque o número nada acrescenta à importância dos trabalhos. Sua influência é toda moral e está no caráter de suas reuniões, que dão aos estranhos a idéia de uma assembléia grave e séria; aí está o seu mais poderoso meio de propaganda. Ela, pois, não poderia prover tal despesa. Os gastos de viagem, como todos os que as nossas relações reclamam para o Espiritismo, são tirados dos nossos recursos pessoais e das nossas economias, aumentadas com o produto das nossas obras, sem o qual nos seria impossível prover a todos os encargos, que são para nós a conseqüência da obra que empreendemos. Isto é dito sem vaidade e unicamente para render homenagem à verdade, e para edificação daqueles aos quais se afigura que nós capitalizamos."
Em 1862 Allan Kardec fez também aparecer uma Refutação às críticas contra o Espiritismo, no ponto de vista do materialismo, da ciência e da religião.
Em abril de 1864 publicou a Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo, com a explicação das máximas morais do Cristo, sua aplicação e sua concordância com o Espiritismo. O título dessa obra foi depois modificado, e é hoje O Evangelho segundo o Espiritismo.
Aproveitando-se da época das férias, Allan Kardec fez em setembro de 1864 uma viagem a Antuérpia e a Bruxelas. Expondo aos espíritas belgas o seu modo de ver acerca dos grupos e sociedades espíritas, recorda o que já havia dito em Lião, em 1861: "Vale mais, portanto, haver em uma cidade cem grupos de dez a vinte adeptos, em que nenhum se arrogue a supremacia sobre os outros, do que uma única sociedade que a todos reunisse. Esse fracionamento em nada pode prejudicar a unidade dos princípios, desde que a bandeira é uma só e que todos se dirigem para um mesmo fim."
As sociedades numerosas têm sua razão de ser sob o ponto de vista da propaganda; mas, quanto aos estudos sérios e continuados, é preferível constituírem-se grupos íntimos.
No dia 1° de agosto de 1865, Allan Kardec fez aparecer uma nova obra - O Céu e o Inferno ou a Justiça Divina segundo o Espiritismo, na qual são mencionados numerosos exemplos da situação dos Espíritos, no mundo espiritual e na Terra, e as razões que motivaram essa situação.
Os admiráveis êxitos do Espiritismo, seu desenvolvimento quase incrível, criaram-lhe inúmeros inimigos e, à proporção que ele se foi engrandecendo, aumentou, também, a tarefa de Allan Kardec. O Mestre possuía uma vontade de ferro, um poder de combatividade extraordinários; era um trabalhador infatigável; de pé, em qualquer estação, desde às 4 horas e meia, respondia a tudo, às polêmicas veementes dirigidas contra o Espiritismo, contra ele próprio, às numerosas correspondências que lhe eram dirigidas; atendia à direção da Revista Espírita e da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, à organização do Espiritismo e ao preparo das suas obras.
Esse excesso físico e intelectual esgotou-lhe o organismo, e repetidas vezes os Espíritos precisam chamá-lo à ordem, a fim de obrigá-lo a poupar a saúde. Ele, porém, sabe que não deve durar mais que uns dez anos ainda: numerosas comunicações o preveniram desse termo e lhe anunciaram mesmo que a sua tarefa não seria concluída senão em nova existência, que sucederia a breve trecho à sua próxima desencarnação; por isso ele não quer perder ocasião alguma de dar ao Espiritismo tudo o que pode, em força e vitalidade.
Em 1867 faz uma curta viagem a Bordéus, Tours e Orleans; em seguida põe novamente mãos à obra, para publicar, em janeiro de 1868, A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. É das mais importantes esta obra, porque constitui, sob o ponto de vista científico, a síntese dos quatro primeiros volumes já publicados.
Allan Kardec ocupa-se, em seguida, de um projeto de organização do Espiritismo, por meio do qual espera imprimir mais vigor, mais ação à filosofia de que se fez apóstolo, procurando desenvolver-lhe o lado prático e fazer-lhe produzir seus frutos. O objeto constante das suas preocupações é saber quem o substituirá em sua obra, porque sente que o desenlace está próximo; e a constituição que elabora tem precisamente por fim prover às necessidades futuras da Doutrina Espírita.
Desde os primeiros anos do Espiritismo, Allan Kardec havia comprado, com o produto das suas obras pedagógicas, 2.666 metros quadrados de terreno na avenida Ségur, atrás dos Inválidos. Tendo essa compra esgotado os seus recursos, ele contraiu com o Crédit Foncier um empréstimo de 50.000 francos para fazer construir nesse terreno seis pequenas casas, com jardim; alimentava a doce esperança de recolher-se a uma delas, na Vila Ségur, e torná-la-ia depois da sua morte asilo a que se pudessem recolher na velhice os defensores indigentes do Espiritismo.
Em 1869 a Sociedade Espírita era reconstituída e tornada sociedade anônima, com o capital de 40.000 francos, dividido em quarenta ações, para a exploração da livraria, da Revista Espírita e das obras de Allan Kardec. A nova sociedade devia instalar-se no dia 1° de abril, à rua de Lille n° 7.
Allan Kardec, cujo contrato de arrendamento na passagem Sant’Ana estava quase a terminar, contava retirar-se para a Vila Ségur, a fim de trabalhar mais ativamente nas obras que lhe restava fazer e cujo plano e documentos se achavam já reunidos. Estava, pois, em todos os preparativos de mudança de domicílio, quando a 31 de março a doença de coração que o minava surdamente pôs termo à sua robusta constituição e, como um raio, o arrebatou à afeição dos seus discípulos. Essa perda foi imensa para o Espiritismo, que via desaparecer o seu fundador e mais poderoso propagandista, e lançou em profunda consternação todos os que o haviam conhecido e amado.
Hippolyte-Léon-Denizard Rivail - Allan Kardec - faleceu em Paris, rua e passagem Sant’Ana, 59, 2ª circunscrição e mairie de la Banque, em 31 de março de 1869, na idade de 65 anos, sucumbindo da ruptura de um aneurisma.
Unânimes sentimentos acolheram a dolorosa notícia, e numerosíssima concorrência acompanhou ao Père Lachaise, sua derradeira morada, os despojos mortais daquele que fora Allan Kardec, daquele que, através dos tempos, brilhará como um meteoro fulgurante na aurora do Espiritismo.
Quatro orações foram proferidas à beira do túmulo do Mestre: a primeira, pelo Sr. Levent, em nome da Sociedade Espírita de Paris; a segunda, pelo Sr. Camilo Flammarion, que não fez somente um esboço do caráter de Allan Kardec e do papel que cabe aos seus trabalhos no movimento contemporâneo, mais ainda, e sobretudo, um exame da situação das ciências físicas, no ponto de vista do mundo invisível, das forças naturais desconhecidas, da existência da alma e da sua indestrutibilidade. Em seguida, tomou a palavra o Sr. Alexandre Delanne, em nome dos espíritas dos centros afastados; e, depois, o Sr. E. Muller, em nome da família e dos seus amigos, dirigiu ao morto querido os últimos adeuses.
A senhora Allan Kardec tinha 74 anos por ocasião da morte de seu esposo. Sobreviveu-lhe até 1883, ano em que, a 21 de janeiro, se extinguiu, na idade de 89 anos, sem herdeiros diretos.
Erraria quem acreditasse que, em virtude dos seus trabalhos, Allan Kardec devia ser uma personagem sempre fria e austera. Não era, entretanto, assim. Esse grave filósofo, depois de haver discutido pontos mais difíceis da psicologia e da metafísica transcendental, mostrava-se expansivo, esforçando-se por distrair os convidados que ele freqüentemente recebia na Vila Ségur; conservando-se sempre digno e sóbrio em suas expressões, sabia adubá-las com o nosso velho sal gaulês em rasgos de causticante e afetuosa bonomia. Gostava de rir com esse belo riso franco, largo e comunicativo, e possuía um talento todo particular em fazer os outros partilharem do seu bom-humor.
Todos os jornais da época se ocuparam da morte de Allan Kardec e procuraram medir-lhe as conseqüências. Eis aqui, a título de lembrança, o que a esse respeito escrevia o Sr. Pagès de Noyez, no Journal de Paris, de 3 de abril de 1869:
"Aquele que por tão longo tempo ocupou o mundo científico e religioso sob o pseudônimo de Allan Kardec, chamava-se Rivail e morreu na idade de 65 anos.
"Vimo-lo deitado num simples colchão, no meio da sala das sessões a que há tantos anos ele presidia; vimo-lo com o semblante calmo como se extinguem aqueles a quem a morte não surpreende e que, tranqüilos quanto ao resultado de uma vida honesta e laboriosamente preenchida, imprimem como que um reflexo da pureza de sua alma sobre o corpo que abandonaram.
"Resignados pela fé em uma vida melhor, e pela convicção da imortalidade da alma, inúmeros discípulos tinham vindo lançar um derradeiro olhar àqueles lábios descorados que, ainda na véspera, lhes falavam a linguagem da Terra. Mas eles recebiam já a consolação de além-túmulo: o Espírito de Allan Kardec veio dizer-lhes quais haviam sido as suas comoções, quais as suas primeiras impressões, quais, dos que o haviam precedido no além-túmulo, tinham vindo ajudar-lhe a alma a desprender-se da matéria. Se "o estilo é o homem", aqueles que conheceram Allan Kardec em vida não podem deixar de ficar emocionados pela autenticidade dessa comunicação espírita.
"A morte de Allan Kardec é notável por uma coincidência estranha. A Sociedade fundada por esse grande vulgarizador do Espiritismo acabava de desaparecer. Abandonado o local, retirados os móveis, nada mais restava de um passado que devia renascer sobre novas bases. No fim da última sessão, o presidente fizera as suas despedidas; preenchida a sua missão, retirava-se da luta cotidiana, para se consagrar inteiramente ao estudo da filosofia espiritualista. Outros, mais jovens - intrépidos - deveriam continuar a obra e, fortes por sua virilidade, impor a verdade por sua convicção.
"Para que referir os detalhes da morte? Que importa o modo por que se partiu o instrumento, e por que consagrar uma linha a esses fragmentos de ora em diante mergulhados no turbilhão imenso das moléculas? Allan Kardec morreu na sua hora própria. Com ele terminou o prólogo de uma religião vivaz, que, irradiando todos os dias, cedo terá iluminado toda a Humanidade. Ninguém melhor que ele podia conduzir a bom termo essa obra de propaganda, à qual era necessário sacrificar as longas vigílias que alimentam o espírito, a paciência que educa com o correr do tempo, a abnegação que afronta a estultícia do presente, para não ver senão a irradiação do futuro.
"Allan Kardec terá, com suas obras, fundado o dogma pressentido pelas mais antigas sociedades. Seu nome, apreciado como o de um homem de bem, está há muito tempo vulgarizado pelos que crêem e pelos que receiam. É difícil praticar o bem sem chocar os interesses estabelecidos. O Espiritismo destrói muitos abusos, reanima muitas consciências doloridas, dando-lhes a certeza da prova e a consolação do futuro.
"Os espíritas choram hoje o amigo que os deixa, porque o nosso entendimento, por assim dizer, material, não se pode submeter a essa idéia de transição; pago, porém, o primeiro tributo a essa inferioridade do nosso organismo, o pensador ergue a cabeça e através desse mundo invisível, que ele sente existir além do túmulo, estende a mão ao amigo, que já não existe, convencido de que o seu Espírito nos protege sempre.
"O presidente da Sociedade Espírita de Paris está morto; mas o número de adeptos cresce todos os dias, e os corajosos, os quais pelo respeito ao Mestre se deixavam ficar no segundo plano, não hesitarão em se evidenciarem, por bem da grande causa.
"Esta morte, que o vulgo deixará passar indiferente, não deixa de ser, por isso, um grande fato para a Humanidade. Não é mais o sepulcro de um homem, é a pedra tumular enchendo esse imenso vácuo que o materialismo cavara aos nossos pés e sobre o qual o Espiritismo esparge as flores da esperança."
Um ponto sobre o qual não atraí a vossa atenção, mas que devo assinalar, é a caridade verdadeiramente cristã de Allan Kardec; dele se pode dizer que a mão esquerda ignorou sempre o bem que fazia a direita, e que esta ainda menos conheceu os botes que à outra atiravam aqueles para quem o reconhecimento é um fardo excessivamente pesado. Cartas anônimas, insultos, traições, difamações sistemáticas, nada foi poupado a esse intrépido lutador, a essa alma grande e varonil que penetrou integralmente na imortalidade.
O despojo mortal de Allan Kardec repousa no Père Lachaise, em Paris, sob modesta lápide erigida pela piedade dos seus discípulos; é aí que se reúnem todos os anos, desde 1869, os adeptos que têm guardado fidelidade à memória do Mestre e conservam preciosamente no coração o culto da saudade.
E já que um sentimento análogo nos reúne hoje, repitamos bem alto, minhas senhoras, meus senhores:
Honra! Honra e glória a Allan Kardec!
Henri Sausse.

  1. O Principiante Espírita (O Pensamento): Biografia de Allan Kardec (J Abreu Filho);

Aos 3 de outubro de 1804, às 19 horas, a casa do magistrado Jean-Baptiste-Antoine Rivail, na cidade de Lyon, rue Sala, 76, ouvia os primeiros vagidos de uma criança destinada a influir poderosamente nos destinos da humanidade.
Naqueles dias estava em uso o calendário da Revolução, no qual os meses tinham outros nomes e começavam com a entrada do Sol nas casas do Zodíaco. Estava-se a 11 de vindemiário. O registro civil, feito no dia seguinte, indicava o nascimento supra de Denizard-Hippolyte-Léon Rivail, sendo seus pais o magistrado acima mencionado e sua esposa Jeanne Duhamel; assinaram como testemunhas, a pedido do médico Pierre Radamel, os senhores Syriaque-Frédéric Dittmar e Jean-François Targe. Remata o documento o sr. Mathiou, presidente do Tribunal.
Há entre os espíritas uma certa confusão quanto ao nome do Codificador, por falta de acomodação entre o sistema francês e o nosso de citar o nome das pessoas. Para uns o menino em questão era Léon, para outros Denizard e, ainda para um terceiro grupo, Hippolyte. É que, de um modo geral, nós ignoramos que:
             I –  na França é comum acrescentar-se ao prenome do menino o de um ou dois avós;
           II –  nas famílias nobres esse acréscimo se torna abusivo;
         III –  por vezes adiciona-se ao prenome do ascendente masculino o do padrinho;
           IV –  nos documentos oficiais é praxe escrever em primeiro lugar o nome da família e depois os prenomes.
Assim, no caso vertente, o prenome é Hippolyte; os prenomes adicionais, Léon e Denizard e o nome de família, Rivail. Comumente se escreve Hippolyte-Léon-Denizard Rivail, enquanto que nos documentos oficiais escrever-se-ia Rivail Hippolyte-Léon-Denizard.
E, escrevendo certo, justo é se exija a pronúncia correta.
Perdoem-nos os espíritas a exigência: é que não compreendemos não se saiba grafar e, menos ainda, pronunciar nome tão respeitável e que nos é sobremaneira caro. Seria uma falta de respeito.
Até hoje são escassos os dados biográficos daquele que mais conhecido se tornou sob o pseudônimo de Allan Kardec. Pouco tem sido acrescentado ao que disse o astrônomo Camille Flammarion à beira do túmulo que ia receber os seus despojos terrenos e à conferência do escritor Henri Sausse, em sua cidade natal, vinte e sete anos mais tarde.
Afirma-se que em linha paterna descende de tradicional família de juristas e, em linha materna, de teólogos ilustres, matemáticos e escritores, alguns dos quais teriam pertencido à Academia de Ciências e à Academia Francesa, pontos culminantes para homens de ciência e para homens de letras. Mas não nos estiremos por este caminho, que a elevação espiritual nem obedece às leis da genética nem às condições sociais e, sobretudo, financeiras, da família. Os grandes gênios não nasceram em berço de ouro; por vezes conheceram a miséria; Sócrates era filho de uma lavadeira e um carpinteiro foi o pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Via de regra, entretanto, a natureza coloca Espíritos de escol em ambiente adequado, que lhes facilite as tarefas que constituem o sentido de sua vida.
Antes, porém, de entrar no estudo do seu ambiente, vejamos a razão de ser do pseudônimo Allan Kardec, que viria apagar o nome de Hippolyte-Léon-Denizard Rivail.
Um dos princípios fundamentais do Espiritismo, na Codificação Kardeciana, é a reencarnação, isto é, o das vidas sucessivas e interdependentes. No início de seu trabalho filosófico, um Espírito revelou ao Codificador que o conhecia de remotas existências, uma das quais passada no mesmo solo da França, onde a sua individualidade tinha revestido a personalidade de um druida, chamado Allan Kardec. Sabe-se a posição social desses sacerdotes, sorteados entre a juventude da nobreza; mas, também, é sabido que os druidas proibiam a construção de templos e a representação figurada dos Deuses ou Espíritos. Porque lhe teria agradado o nome? Porque lembrasse essa fuga às exterioridades e ao culto externo? Por uma como que memória intuitiva do muito de espiritismo contido no Druidismo? Pela sonoridade do nome? Pela intuição da necessidade de subtrair-se ao mal-estar causado aos familiares e companheiros no mundo científico e educacional, onde vivia, com a publicação, sob a responsabilidade de seu nome verdadeiro, de princípios filosóficos fadados a abalar o velho formalismo da religião e da ciência?
É difícil dizer.
Como quer que seja, é de notar-se a coincidência entre certos princípios do Druidismo e a obstinação de Allan Kardec em subtrair o Espiritismo à tendência das massas menos cultas em transformá-lo numa religião. Neste particular, a concessão máxima que se pode fazer fê-la Sir Arthur Conan Doyle, chamando-o de religião psíquica, isto é, uma filosofia prática que leva a criatura para uma etapa religiosa muito superior à moral comum, desde que “a moral é a média do comportamento do grupo social” e aquele conduz para um limite superior, no qual, tornando-se altamente consciente, a criatura é, simultaneamente, templo, sacerdote e penitente.
Fique esta observação logo à entrada destas notas, a fim de advertir o leitor de que, até o último instante, Allan Kardec sustentou que o Espiritismo era “uma filosofia científica de conseqüências religiosas, mas não uma religião”. Certos pseudo-espiritistas pretendem negá-lo, para o que fazem um tremendo trabalho sofístico, esquecidos de que, torcendo as palavras do Codificador, aproximando afirmações distantes e díspares, até pertinentes a temas diversos, colocam-se entre as farpas do dilema: ou Allan Kardec, pela insegurança de conhecimentos, pela tibieza de caráter, teria falhado como missionário da terceira revelação, ou teriam falhado todos os Espíritos daquela plêiade ilustre, que lhe ditavam mensagens, lhe inspiravam os estudos e lhe criticavam as obras, quando não as refundiam completamente, como foi o caso de O Livro dos Espíritos. Em qualquer dos casos, o desfecho seria um só: a falência da doutrina.
Haverá quem possa admiti-lo?

O meio físico

O observador que demora o olhar sobre a carta da França, ao mesmo tempo em que projeta a mente sobre a sua história, tem logo a atenção atraída para a cidade de Lyon. Situada na confluência do Rhodano e do Saona, é o ponto de encontro do primeiro que, atravessando o Lago Leman, desce revolto as montanhas do Jura, atravessa toda a Sabóia e vem unir-se às águas mansas do segundo, vindo do sul da Lorena e cortando o Franco-Condado e a região da Borgonha. Sua junção se dá ao pé de uma encosta abrupta do maciço das Cévenes, em contraste com as planícies limitadas pelo Saona e pelo Ain, afluente do Rhodano. Na confluência daquelas duas massas líquidas está a terceira cidade da França, originária de uma colônia fenícia ou, mais provavelmente, rhódia, – de onde o nome do grande rio, Rhodanus, segundo a forma latina, que não apagou o velho nome celta da região – Lugdunum – que quer dizer a colina do sol nascente. Ao tempo da ocupação romana para aí convergiram as grandes estradas; por aí passaram ou hibernaram Augusto, Cláudio e Cararala. Incendiada, reconstruiu-a Nero, para que, mais tarde, foco do cristianismo, sofresse a perseguição de Marco-Aurélio e outra, mais terrível ainda, de Sétimo-Severo. Depois de suportar inúmeras vicissitudes, durante o período feudal, desde o Império de Carlos Magno até o fim do século XIII, tornou-se uma cidade do Império.
Foi em Lyon que em 1245 Inocêncio III excomungou a Frederico II, da Alemanha; que em 1274 Gregório X reuniu o segundo concílio ecumênico, para regulamentar a eleição dos papas e a união entre as Igrejas Grega e Latina. Durante as guerras de religião foi saqueada pelos protestantes em 1562 e, dez anos mais tarde, pelos católicos. Durante a Revolução Francesa a Convenção ordenou a sua destruição a tiros de canhão, mas Collot d’Herbois e Fouché apenas metralharam os seus prisioneiros.
Posteriormente os acontecimentos mais notáveis foram a insurreição operária de 1831, o complot de 1851, dirigido pelos republicanos da Nova Montanha, para não falar do movimento socialista de 1871, posterior, portanto, à morte de Allan Kardec.
Dado esse ligeiro esboço físico e histórico da grande cidade, referindo apenas aquilo que poderia falar à mente de um lionês culto, não devemos esquecer que aquelas mesmas águas, já avolumadas por outros cursos alpestres, como o Isère e o Drôme, vão banhar a cidade de Avinhão, tristemente célebre na história das lutas políticas que mancharam a Igreja Católica; depois de haverem tumultuado nas altas montanhas marginais, nos oferecem um símbolo de serenidade no seu curso baixo e no seu perfil de equilíbrio, antes de se lançarem, mansas, no velho Mare Nostrum, pouco abaixo da não menos evocadora cidade de Arles, que deu nome a um reino.

O meio social

Entretanto não passemos muito por alto: focalizaremos mais de perto alguns aspectos da cidade e do meio social.
À margem direita do Saona, subindo pelos funiculares, alcança-se o velho forum, Forum Vetus, a velha cidade romana, bairro eclesiástico, com a sua Catedral de São João, monumento dos séculos XII a XIV e seus belíssimos vitrais. No centro, entre os dois rios, o mais velho edifício de Lyon – a Igreja de Saint-Martin d’Ainay, construída no século XI, sobre as ruínas do Templo de Augusto; velhos hospitais, a parte administrativa, residências burguesas, o comércio e os bancos. Aí ainda se destaca, pela sua vetustez, a Igreja de Saint-Nazier, dos séculos XV e XVI; o Conselho Municipal, do século XVII; palácios, museus, faculdades, etc.. À margem esquerda, na planície que se estende para leste, a Prefeitura, os bairros operários e o parque.
São célebres os seus tecidos, as suas sedas, os seus veludos estampados, assim como as suas faianças, uns e outras relembrando uma tradição legada pela arte italiana de Florença e de Veneza, da época dos Doges.
Nesse ambiente passou a infância o jovem Rivail.
Lyon era uma cidade envolta na garoa, que atenua os contornos e espiritualiza as formas, mas onde se agita uma população laboriosa e realista, prática e fria, embora não infensa à beleza que fala aos sentidos, e àquela beleza mais profunda, que as almas eleitas sentem mas não encontram expressão material. Não é difícil imaginar-se a influência, sobre o menino precoce, do meio lionês e da intimidade do lar de um juiz austero, de formação severa, segundo os velhos moldes hoje evanescentes.
Que motivos teriam levado o velho magistrado a mandar o filho estudar na Suíça? Falta de bons colégios na França? Idéias próprias em relação à influência clerical no ensino local? Interesse pelo sistema de Pestalozzi?
Talvez isso. Talvez um pouco de tudo.
O pedagogo suíço Jean-Henri Pestalozzi, versado em línguas, em história e em direito, se havia consagrado à economia rural. A leitura do Emílio, de Rousseau, lhe revelara a vocação; aperfeiçoou as idéias de Rousseau, do ângulo da pedagogia. Seu ideal foi, então, desenvolver, gradualmente, as faculdades humanas e organizar o ensino mútuo. Para tanto dedicou-se à educação das crianças pobres. Ensinou em várias cidades, até que lhe cederam o Castelo de Yverdon. Yverdon é uma cidadezinha do sul do Lago Neuchatel, onde os Duques de Zaehringen possuíam um célebre castelo que data do século XII. Nessa antiga cidade romana de Eburodunum, e em seu castelo, os duques abrigaram a Escola de Pestalozzi durante vinte anos – de 1805 a 1825.
Nesse ambiente de uma pequena cidade fabril, num velho castelo medieval, o menino Rivail fez os estudos básicos que iriam prepará-lo para uma tarefa que basta, por si só, para marcar o século – já chamado século das luzes.

Estudo e trabalho

Pestalozzi estimava o jovem rivail como um filho. Teve-lhe maior intimidade, que o adolescente soube aproveitar a tal ponto que, aos quatorze anos, por vezes substituía o diretor na condução dos cursos. Aprendeu praticamente várias línguas, além do conhecimento clássico do grego e do latim. Com aquela idade diplomou-se professor. Continuando os estudos, fez o seu bacharelado quatro anos mais tarde. Por nos faltarem dados seguros, não diremos, como outros biógrafos, que foi o bacharelado em ciências e letras, posto nos inclinemos pela afirmativa. É que o bacharelado foi instituído na França em 1808, nas faculdades de ciências e letras, como sanção de estudos secundários. Inicialmente, porém, o bacharelando era puramente literário; em 1830 e 1840 sofreu o sistema profundas reformas que não atingiram o nosso estudante: em 1830 já Rivail era médico.
Por outras palavras, não podemos garantir qual o título obtido pelo jovem Rivail ao fazer o seu bachot, como se costuma dizer na gíria estudantil. Sabe-se, entretanto, que o obteve, com ele entrou na escola de medicina, onde se doutorou aos vinte e quatro anos.
Enquanto fazia o curso de medicina o estudante punha em execução a experiência feita junto a Pestalozzi, relativamente ao ensino mútuo.
Com efeito, o acadêmico-professor lecionava Matemática, Astronomia, Química, Retórica, Anatomia Comparada e Fisiologia, além de sua própria língua. Parece que tirou proventos de parte de tais cursos, mas é certo que em parte os ministrou com absoluta gratuidade, consoante os princípios de seu mestre.
Em Paris fundou um Instituto Técnico à rua Sèvres, nº 35, nos moldes de Pestalozzi. É provável que ainda não tivesse concluído o curso de medicina; sabe-se, entretanto, que teve como sócio um tio materno, jogador inveterado, que levou o Instituto à liquidação. A quota do dr. Rivail foi colocada em comandita na firma de uns amigos que, pouco depois, declararam falência. O jovem não desanimou: passou a fazer traduções, a preparar cursos em colégios e institutos, e ainda achava tempo para dar cursos gratuitos.
Teve tais contactos com o mundo das letras e das ciências que chegou a possuir vários diplomas de sociedades científicas e de incremento ao progresso. Não os teria obtido se não estivesse em ligação continuada e eficiente com estabelecimentos públicos oficiais ou oficializados, onde os grandes serviços prestados à sociedade eram publicamente reconhecidos, através de diplomas honoríficos. Entre outras distinções, possuía as seguintes:
A – no setor da direção do ensino:
             I -  de fundador da Sociedade de Previdência dos Diretores de Colégios e Internatos de Paris;
           II -  da sociedade de Educação nacional (constituída por diretores de Colégios e internatos);
B – no setor do ensino propriamente dito:
             I -  da Sociedade para a Instrução Elementar;
           II -  da Sociedade Gramatical;
          III -  do Instituto de Línguas;
C – no setor da divulgação científica:
             I -  da Sociedade de Ciências Naturais da França;
           II -  do Instituto Histórico;
          III -  da Sociedade Francesa de Estatística Universal;
D – no setor das aplicações práticas das ciências:
             I -  da Sociedade de Emulação Agrícola do Departamento do Ain;
           II -  da Sociedade de Incentivo à Indústria Nacional.
A maioria desses diplomas lhe foram conferidos entre os vinte e os trinta e um anos de idade; o último lhe veio aos quarenta e três.
Tudo isto indica uma inteligência invulgar, servida por uma vontade poderosa e um método de vida que, de certo modo, justifica aquele conceito de Augusto Comte “o gênio é uma questão de método”. Era um idealista, mas não um lunático; seu idealismo era orgânico e prático. O estudante de medicina e depois o médico atuava na vida prática como professor de várias matérias, não só como divulgador de conhecimentos teóricos, mas como propulsor da agricultura e da indústria, através dos aperfeiçoamentos científicos dos meios de produção, como do aperfeiçoamento moral e espiritual das criaturas.
Esse aspecto de sua vida não foi suficientemente analisado por seus turiferários. Um exame percuciente revela que o seu interesse nos estudos se derramou sobre um conjunto de conhecimentos selecionados, não para servirem de atavios ao Espírito, mas de verdadeiros instrumentos para a promoção do bem-estar geral, do mesmo passo que para a evolução espiritual, pelo conhecimento de si mesmo e pelo da situação do homem no cosmos.
Era um altruísta na mais alta acepção do vocábulo, porque não esperava adquirir muito para dar as sobras: tinha um sentido prático da solidariedade humana, dessa solidariedade feita de companheirismo, de camaradagem fraterna, de simpatia pelo alheio esforço, de boa disposição para ajudar os outros com a própria experiência, de bom ânimo para ensinar – principalmente de graça –, pois a gratuidade nivela espiritualmente as criaturas e elimina aquela barreira psicológica, algo paradoxal, que se estabelece entre o ignorante que paga e o mestre que é pago diretamente. Ele sentia as imperiosas obrigações do indivíduo para com a sociedade, visando o progresso desta e procurando servi-la e servir-se dentro daquele magnífico conceito: “a cada um segundo as suas necessidades; de cada um conforme as suas possibilidades”.
Por outras palavras: foi um Espírito altamente cônscio de sua função social. E a realizou magnificamente, sem estardalhaços, sereno e compenetrado. Na Índia há uma lição muito interessante para o nosso comportamento social. Ensinava Ramakrisma que, ao atravessar uma aldeia, um elefante fora assaltado pelos cães. Cônscio de sua superioridade, o elefante não se desviou de sua rota, não deu atenção aos latidos, não perdeu o passo hierático. Sem orgulho, apenas compenetrado de seu valor e de suas responsabilidades como fator social, o moço Rivail tinha um secreto sentimento de que era bem como aquele elefante, posto jamais o revelasse: agiu bem como um mestre – ensinando.
Por isso pôde realizar a sua tarefa imensa.
Entre os anos de 1824 e 1849 publicou o dr. Rivail, entre outras, as seguintes obras:
             I -  Curso Prático e Teórico de Aritmética (2 volumes, segundo o método Pestalozzi);
           II -  Plano para o melhoramento da Instrução Pública;
          III -  Gramática Clássica da Língua Francesa;
           IV -  Qual o sistema de estudos mais adequado à época?
             V -  Manual dos exames para certificado de capacidade.
           VI -  Soluções racionais de perguntas e problemas de Aritmética e Geometria;
         VII -  Catecismo Gramatical da Língua Francesa;
        VIII -  Programa dos Cursos ordinários de Química, Física, Astronomia e Fisiologia;
           IX -  Pontos para os exames na Municipalidade e na Sorbonne;
             X -  Instruções sobre as dificuldades ortográficas.
Na sua folha de serviços à mocidade de seu tempo está a regência das seguintes matérias, em cursos parcialmente gratuitos – repetimo-lo –, onde, de par com os seus conhecimentos enciclopédicos, patenteia-se o esforço em bem servir os seus semelhantes: Matemática, Física, Química, Astronomia, Retórica, Anatomia Comparada, Fisiologia e Língua Francesa. Falava corretamente inglês, alemão, holandês, espanhol e italiano e era grande conhecedor do grego e do latim.

Magnetismo

Cabe aqui destacar, em poucas linhas, um aspecto da cultura do sr. Allan Kardec: os seus estudos sobre magnetismo e hipnotismo, matérias que lhe foram de valioso auxílio nos estudos iniciais do Espiritismo e que não deveriam desconhecer todos quantos se aplicam a trabalhos práticos e ao manejo de médiuns.
Allan Kardec interessou-se pelo magnetismo ainda nos bancos acadêmicos. Naquela época a nova ciência apaixonava e dividia os estudiosos: de um lado a chamada ciência oficial, a lhe negar foros de cidade; do outro, homens espiritualmente emancipados, a lhe proclamar os fatos. Estes últimos constituíram uma sociedade – a Sociedade dos Magnetistas da França –, mais tarde cindida em duas entidades, por divergências de interpretação dos fenômenos. Kardec pertencia à primeira, mas era festejado por ambas.
Torna-se aqui necessária uma ligeira digressão histórica, para que melhor se compreendam as ligações do magnetismo e do hipnotismo com o Espiritismo e não se confundam aqueles com as exibições charlatanescas a tanto por cabeça.
Sem remontar às práticas esotéricas, que são de todos os tempos e lugares, o magnetismo animal dos tempos modernos parece ter surgido com Paracelso, tendo sido aceito e praticado por Burgraeve, Van Helmont, o Padre Kircher e, principalmente, por Mesmer que, pelas alturas do ano de 1779, lhe deu grande incremento e chegou a lhe emprestar o próprio nome; mesmerismo era como então se chamava o magnetismo.
Mas, que vinha a ser o chamado magnetismo animal?
Pensava-se que fosse um fluido que penetrava os corpos animados, dando-lhes propriedades particulares. Mesmer desenvolveu essa teoria, sustentando que os corpos animados e inanimados eram submetidos à influência de um agente universal, a que chamou fluido magnético. Esse fluido podia acumular-se e transmitir-se ao homem, pelos passes e toques, e era capaz de curar certas moléstias nervosas, mas também podia provocá-las.
Em certos casos especiais, as pessoas submetidas à ação magnética apresentavam crises convulsivas, atitudes passionais e até tendências eróticas, o que levou o mundo científico à condenação do mesmerismo ou magnetismo prático, no interesse da moralidade pública. Isso ocorreu em 1784. Mas não paravam aí as contraditórias conclusões do relatório oficial da comissão chefiada pelo ilustre Bailly: ela concluía pela inexistência dos fenômenos.
Repetia-se o caso de Galileu.
Já disse alguém que as idéias são como os gases: quanto mais comprimidas, maior a sua força de expansão. Os repetidos golpes desferidos no magnetismo lhe trouxeram novos e valiosos adeptos, entre os quais Du Potet, o Abade de Faria e Puységur, na França. Continuaram-se os estudos na França, tornando-se evidentes os seus efeitos e a fenomenologia geral, com a sugestão, o sonambulismo provocado, as paralisias, as anestesias, etc..
Um pouco mais tarde, na Inglaterra, Braid demonstrou que o hipnotismo era uma realidade e determinou meios práticos para a sua aplicação. Tais processos foram muito divulgados nos Estados Unidos, graças aos trabalhos de Grims. Os estudos de Braid e Grims situam-se entre os anos de 1840 e 1848.
Assim, quando, mais uma vez, o magnetismo foi condenado por volta de 1859, nas lições professadas na Salpetrière pelo ilustre Charcot, já Allan Kardec andava às voltas com os fenômenos espíritas, aos quais trouxera uma experiência de trinta e cinco anos de trato com o Magnetismo e o Hipnotismo.
Fácil é compreender-se tudo isso.
No momento assistia-se, na França, a falência das filosofias espiritualistas. A elas se opunham as correntes materialistas – com o marxismo à frente – e, num termo médio, o agnosticismo da escola positivista, fundada por Augusto Comte.
O genial Comte havia dado uma nova ordenação aos conhecimentos científicos; tinha fundado uma nova ciência – a Sociologia. Sua obra, muito inteiriça, constituía a Filosofia Positiva; seu ponto mais fraco é a religião tirada de seus princípios gerais. Mas Comte fora repetidor da Escola Politécnica, depois examinador; dera cursos populares de Astronomia. Tudo isto lhe granjeara um certo prestígio nos meios cultos. A falta de síntese nos conhecimentos científicos deixava as classes mais altas em caótico estado mental, não sendo difícil encontrar grandes figuras positivistas em ciência, materialistas em política e católicas ou protestantes em religião.
Poucos abarcavam essas coisas em visão panorâmica; e quando os percebiam davam de ombros, justificados de seu silêncio e de sua acomodação pelo motivo de se não sentirem culpados.

As mesas girantes

Estavam as coisas nesse pé quando os fenômenos espiríticos, ditos das mesas girantes e falantes, iniciados “oficialmente” nos Estados Unidos, com as Irmãs Fox e pouco depois transplantados para a Europa, adquiriram foros de cidade. Manda a verdade, entretanto, se diga que antes mesmo de 1848, já na França, na Alemanha e na Inglaterra se haviam registrado os fenômenos de efeitos físicos e outros, inclusive os intelectuais – mesmo sem recorrer às vastas referências, posto que discretas, encontradas na obra escrita, que chegou até os nossos dias, dos melhores historiadores e poetas latinos, bem como da tradição druídica. Allan Kardec tratou do assunto nas páginas luminosas da Revue Spirite, muito embora não o fizesse de forma exaustiva, visando estabelecer irretorquivelmente a primazia da Europa e, particularmente da França, no que se refere a acintosas manifestações de Espíritos.
Como quer que seja, o relato do que se passava com as Irmãs Fox, as “chantagens” de que foram vítimas, a malevolência dos opositores à fenomenologia, ansiosos por manterem o prestígio, já um tanto abalado, de seu velho aliado Satã, tiveram o efeito de propaganda. De modo que na alta sociedade francesa foi uma nota requintada dos salões elegantes convidar, para a companhia de poetas, deputados, senadores, ministros, escritores, artistas, príncipes de toda parte, inclusive grãos-duques russos, alguns Espíritos de escol, que vinham afirmar: “Não há morte”.
Quem eram esses Espíritos?
Vultos marcantes de todos os tempos: filósofos e poetas, generais e imperadores da Grécia e de Roma; destacadas figuras do clero medieval; escritores, poetas e artistas do renascimento; antigos reis da França. Todos eles produziram admiráveis provas de sua identidade e muitos lançaram grandes clarões sobre a parte mais nebulosa de algumas de suas ações públicas. Os poetas se exprimiam em versos perfeitos, através de sensitivos que jamais haviam perpetrado uma simples quadrinha rimada.
A moda atingiu o palácio imperial. Napoleão III solicitou de elementos experimentados que fossem ao palácio evocar Espíritos em sua presença. E manteve interessantes palestras, em presença das mais destacadas figuras do mundo político, militar e diplomático.
Entre esses salões brilhantes, força é destacar o da Senhora de Girardin, encantadora figura de vanguarda nas letras e nas artes e, indiscutivelmente, uma das maiores expressões do bandeirismo espiritista na França, quiçá do mundo. Nascida no mesmo ano que Allan Kardec, Delphine Gay era física e espiritualmente bela. Muito cedo começou a sua produção poética, publicando seguidamente volumes, entre os quais se destacam: Les Soeurs de Sainte Camille, Madeleine, Ourika, Le Bonheur d’être belle, La Vision de Joanne d’Arc. Após uma viagem à Itália, durante a qual foi coroada no Capitólio, publicou Le Retour, Palerme, Le Dernier Jour de Pompéi, Napoline e outras impressões da península.
Aos vinte e sete anos casou-se com o Conde Camile de Girardin, que desfrutava invejável posição social e política, além de grande prestígio como escritor, sociólogo e dramaturgo. Casada, foi uma inspiradora da política. Escreveu vários romances e bom número de peças para teatro; entre aqueles vale destacar Le Lorgnon, Le Marquis de Pontanges, Les Contes d’une vieile fille à ses neveux e, o mais notável de todos, La Canne de M. de Balzac, e, ainda, La Croix-de-Berny, este em colaboração com Théophile Gautier, Joseph Méry e Jules Sandeau, três nomes que dispensam referências; entre estas não devemos esquecer L’École des journalistes, Judith, Cléopatre, Lady Tartufe, Le Chapeau d’un horloger e La Joie fait peur, peças estas pertinentes ao repertório da Comédie Française. Deixou ainda farta coleção de Cartas Parisienses e de artigos e folhetins na imprensa periódica e nos diários de Paris.
As sessões espíritas nos salões da Senhora de Girardin contaram com o que havia de mais fino nas letras, nas artes e na política; assistiram-nas Balzac, Lamartine, Chateaubriand, Théophile Gautier, para citar apenas alguns dos mais expressivos nomes das letras francesas e de renome mundial, à frente dos quais justo é colocar a figura magnífica de Alexandre Dumas, filho.
Pode-se dizer que a Senhora de Girardin preparou a receptividade nas altas esferas sociais e intelectuais da França para a obra que em breve deveria encetar Allan Kardec. Morreu de um câncer, em 1855.
Um desses grupos praticantes do Espiritismo nascente se deu ao trabalho de visitar o grande Victor Hugo, então exilado na Ilha de Jersey, por força de seu antagonismo ao governo monárquico da França. E o converteu aos princípios espiríticos.
Entretanto – coisa notável! –, entre tanta gente de alta cultura, ninguém lobrigou o alcance filosófico das batidas nas mesas e móveis e, em geral, das manifestações dos Espíritos. Só um fato impressionava: a sobrevivência do ser humano, com os seus gostos, os seus cacoetes, os seus impulsos, enfim, a sua personalidade!
A França, cognominada a filha primogênita da Igreja, assistia ao naufrágio da fé, resultante do choque entre a Ciência e a Religião. Dona de um mais largo e profundo conhecimento das leis da natureza, a humanidade estava preparada para passar da fé imposta à fé raciocinada, isto é, da crença para a certeza. A ciência oficial desdenhava tudo quanto pudesse, direta ou indiretamente, conduzir a um postulado da religião; em contrapartida, a religião, fechada numa filosofia apriorística, verberava toda tentativa intelectual que pudesse atuar como um sopro sobre o castelo de cartas do dogmatismo.
Temor da divulgação da verdade ou intuição do seu crescente desprestígio político, em conseqüência da emancipação espiritual das criaturas?
O único homem que teve a visão da importância moral e sociológica de fenomenologia espírita foi Rivail. Por isso mesmo deveria ele apagar-se no mundo oficial da instrução pública, onde se fizera respeitado e querido, para se dar a uma nova obra: a da construção de toda uma filosofia derivada – que importa – dos golpes que os chamados mortos vibravam sobre mesas, paredes e móveis. Ia desaparecer o cientista Rivail para surgir o filósofo Allan Kardec. Era aquele renascimento espiritual, de que falava Jesus Cristo a Nicodemus; era a profecia do Nazareno reportada por João, no Capítulo XIV, versículo 26, sobre aquele “a quem o Pai enviará em meu nome”, e que “ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”.
Se nos adentrarmos no texto e em outras passagens correlatas, veremos que se trata de um ser despersonalizado, o Consolador, o qual figura nas versões evangélicas que nos chegaram com o Espírito Santo. Cabe, entretanto, notar que não se trata de uma individuação, nem da suposta terceira pessoa da Trindade católica: estamos em frente a uma expressão genérica, onde o vocábulo santo é apenas um adjetivo qualificativo muito respeitoso e, por isso mesmo, historicamente respeitável, posto que sem a necessária força para, com o dogma, sobrepor-se à razão.
O escolhido foi Allan Kardec e não o dr. Rivail, para significar uma individualidade eterna e não uma personalidade transitória e, ainda, para a ligar a uma etapa em que os valores espirituais eram mais expressivos do que as formas exteriores do culto.

O Codificador

Foi em 1854 que Allan Kardec tomou conhecimento das mesas girantes e falantes, através de uma conversa com o sr. Fortier, seu colega na Sociedade de Magnetistas. Ao ser informado de que, magnetizadas, as mesas podiam mover-se e davam respostas às nossas perguntas, a resposta de Kardec foi de absoluta descrença, desde que a mesa não possuía nervos nem cérebro, nem podia tornar-se sonâmbula.
Pouco depois um outro magnetista, o sr. Carlotti, lhe fez minuciosos relatos de experiência a que assistira, em conseqüência do que pôde ele dispor-se a assistir às primeiras sessões práticas, em maio de 1855, em casa da sra. Roger, em presença do já citado fortier, do sr. Patier e da sra. Plainemaison. Deste último cavalheiro ouviu relatos num tom diferente, frio e grave, cheio de argumentos que se acomodavam aos princípios científicos.
Surgiu daí a possibilidade de assistir a reuniões regulares, em casa da sra. Plainemaison, à rua Grange-Batelière, 18, ainda no mês de maio já referido.
Repetiram-se as sessões, numa das quais conheceu ele a família Baudin, residente à rua Rochechouart. Convidado para as sessões hebdomadárias da família Baudin – é Allan Kardec quem o diz – “aí fiz os primeiros estudos sérios em Espiritismo, mais por observação do que por efeito de revelações”. E prossegue: “A essa nova ciência apliquei, como tinha feito até então, o método experimental; jamais formulei teorias preconcebidas”. E logo mais adiante: “Nesses fenômenos entrevi a chave do tão obscuro e controvertido problema do passado e do futuro e a solução que, durante toda a vida, tinha buscado. Numa palavra, era uma revolução completa nas idéias e nas crenças, sendo, pois, necessário proceder com circunspecção, e não com leviandade, ser positivista em vez de idealista, para não ser arrastado por ilusões”.
Eis a evidenciação do homem de ciência.
Allan Kardec vira nessas manifestações uma prova da existência da alma e de sua sobrevivência ao transe da morte. Mas, também, percebera que cada Espírito possuía um grau de conhecimento e de moralidade, pelo que esse mundo invisível, que nos envolve, oferecia uma gradação infinita. Estudá-los, classificá-los e explicá-los seria uma tarefa hercúlea e Kardec a teria abandonado se não fora a insistência de alguns amigos dedicados, que desde algum tempo se davam àquelas investigações. Entre esses amigos cabe uma referência particular ao sr. Carlotti, já citado; ao editor Didier, médium, e ao seu filho, também médium; ao lexicógrafo Antoine-Léandre Sardou e seu filho, o médico, escritor e dramaturgo Victorien Sardou, também médium, que prestou relevantes serviços à doutrina, no papel de intérprete dos Espíritos que ofereciam minuciosas descrições e belíssimos desenhos de outros planetas, muito embora o dr. Sardou fosse a negação para o desenho; o sr. René Taillandier, membro da Academia de Ciências, e outros. Desde algum tempo esses senhores faziam sessões e possuíam cinqüenta cadernos de comunicações.
Graças a esses amigos, Allan Kardec tomou desse material, classificou as mensagens, eliminou as repetições ociosas; anotou circunstanciadamente as falhas, as dúvidas e as lacunas, para futuros esclarecimentos.
Teve o cuidado de ouvir outros Espíritos, através de outros médiuns, que não os da casa do sr. Roustan – o qual não deve ser confundido com o sr. Jean-Baptiste Roustaing –, onde lhe fora de poderoso auxílio a mediunidade da senhorinha Japhet. Em conseqüência – fato raríssimo e de notável beleza! – ao apresentar aos Espíritos a forma definitiva da obra fundamental, estes lhe fizeram grandes objeções. É que Allan Kardec apresentava o Espiritismo como uma religião nova, com o que não concordaram os seus conselheiros espirituais. Teve ele a honestidade de aceitar a crítica justa e refundir completamente a obra, cuja primeira edição apareceu a 18 de abril de 1857. Daí por diante jamais Kardec deixou de dizer que o Espiritismo era uma ciência ou uma filosofia científica – porque estabelecida sobre a base dos fatos – tendo conseqüências religiosas, mas nunca uma religião. Tal ponto de vista ficou muito bem desenvolvido no seu canto de cisne, isto é, a última conferência por ele pronunciada cinco meses antes de desencarnar-se, e que se acha na íntegra no fascículo de novembro de 1868 da Revue Spirite.
O êxito dessa obra – O Livro dos Espíritos –, cujo nome bem exprime a sua origem e sob o qual a sua autoria apenas aparece como “recolhidos e ordenados por Allan Kardec”, o levaram a pensar na propaganda da doutrina. Mas achava-se sozinho para tal empreendimento. Contudo, aconselhado pelos Espíritos em meados de novembro de 1857, a 1º de janeiro de 1858 lança a Revue Spirite, pequena revista de 32 páginas em média, destinada não só à propaganda, mas – e principalmente – à provocação da opinião pública e ao estudo da fenomenologia espírita e à discussão das hipóteses provisórias, até que, bem verificados os fatos, se lhes pudesse dar uma explicação científica e uma posição no quadro geral da filosofia espírita.
Lamentavelmente, em nossa terra ainda não foi devidamente apreciada a coleção da Revista Espírita, que Allan Kardec escreveu, por assim dizer, sozinho, durante onze anos e quatro meses, num total de cerca de 4.500 páginas – rico manancial de fatos bem controlados e de ensinamentos para os dirigentes de trabalhos práticos, para os médiuns e para os espiritistas em geral.
Allan Kardec sentiu a necessidade de manter um grupo de estudo prático e contactos com outros grupos, da França e do exterior. Em conseqüência, seus estudos e observações foram determinando ligeiras alterações em O Livro dos Espíritos, assim como pequenas adições, até que na 22ª edição a obra tomou um caráter definido, que é o que hoje se apresenta. Dessa edição nós nos servimos para a tradução feita para a coleção lançada pela editora Pensamento.
Era O Livro dos Espíritos uma exposição geral da filosofia espírita. Outras obras deviam seguir-se. Trabalhava Allan Kardec na Revista Espírita, cujos fascículos mensais apareciam com toda a regularidade; no campo experimental dirigia sessões onde eram obtidas respostas às suas perguntas, organizadas de plano, de par com mensagens espontâneas, que viriam servir para volumes futuros. Paralelamente, grupos de outras cidades e do estrangeiro lhe remetiam copioso material ditado pelos Espíritos, que ele ia arquivando, depois de convenientemente estudado e classificado.
Ainda achou tempo para lançar, em julho de 1859, um pequeno volume com a doutrina condensada, sob o título O que é o Espiritismo?. Este interessante opúsculo teve sucessivas edições, podendo assegurar-se que em 1868 já estava na oitava. Era um livrinho destinado a dar um conhecimento perfunctório, mas suficiente, às pessoas jejunas que, se se tomassem de interesse pelo assunto, poderiam então passar a obras de mais fôlego.
Em 1861, logo em janeiro, a casa Dider & Cia. lança o seu segundo livro básico – O Livro dos Médiuns –, onde temos um verdadeiro tratado clássico, indispensável a médiuns e dirigentes, a técnica do manejo da mediunidade.
Em 1862 lançou duas pequenas brochuras de propaganda doutrinária, posteriormente abolidas, à vista da larga aceitação da Revista Espírita. Eram elas: O Espiritismo na sua expressão mais simples e Refutação às críticas ao Espiritismo.
Com um volume encerrando a filosofia da Doutrina Espírita e outro a técnica para a utilização dessa nova ciência, em breve a trilogia se completava pelo estudo da parte moral. Esse terceiro livro fundamental teve a sua primeira edição em abril de 1864, sob o nome de Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Refundindo em nova edição, que lhe deu caráter definitivo, o nome primitivo foi substituído pelo atual: O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Outro seria o conceito que os espiritistas formam da doutrina se tivessem estudado atentamente as primeiras linhas, de notável significação, que abrem a sua Introdução.
Vale a pena transcrevê-las, porque em geral elas são lidas sem meditação, apenas uma vez. Dizem assim:
“Podem dividir-se em cinco partes as matérias contidas nos Evangelhos: os atos comuns da vida do Cristo; os milagres; as predições; as palavras que foram tomadas pela Igreja para fundamento de seus dogmas; e o ensino moral. As quatro primeiras têm sido objeto de controvérsias; a última, porém, conservou-se constantemente inatacável. Diante desse código divino, a própria incredulidade se curva. É terreno onde todos os cultos podem reunir-se, estandarte sob o qual podem todos colocar-se, quaisquer que sejam suas crenças, porquanto jamais ele constituiu matéria das disputas religiosas, que sempre e por toda parte se originaram das questões dogmáticas. Aliás, se o discutissem, nele teriam as seitas encontrado sua própria condenação, visto que, na maioria, elas se agarram mais à parte mística do que à parte moral, que exige de cada um a reforma de si mesmo. Para os homens, em particular, constitui aquele código uma regra de proceder que abrange todas as circunstancias da vida privada e da vida pública, o princípio básico de todas as relações sociais que se fundam na mais rigorosa justiça. É, finalmente e acima de tudo, o roteiro infalível para a felicidade vindoura, o levantamento de uma ponta do véu que nos oculta a vida futura. Essa parte é a que será objeto exclusivo da presente obra.”
Eis aí, numa clareza meridiana, não apenas o ponto de vista de Allan Kardec, mas o dos altos Espíritos que lhe ditaram a doutrina. Aí estão nitidamente separados os textos dos Evangelhos em cinco partes: a principal – referente ao ensino moral – tratada nesse terceiro volume; duas outras, a saber, os milagres e as profecias, que iriam constituir o objeto de A Gênese; as palavras que serviriam para o estabelecimento dos dogmas da Igreja, que iriam fornecer tema para O Céu e o Inferno e, possivelmente, para outras obras, se ele tivesse tido vida mais longa, para concluir o seu plano de trabalho.
Assim, em começo de agosto de 1865 as livrarias exibiam O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina Segundo o Espiritismo, magnífico estudo em que se explica o simbolismo desses supostos lugares de ventura e de sofrimento de um ponto de vista racional, positivo e conforme a suprema justiça, que é um dos mais nobres atributos da Divindade.
A já a 6 de janeiro de 1868 aparece A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo. Como se vê pelo título, a obra não só restabelece a verdade sobre a cosmogonia cristã, baseada nos princípios da ciência, como encara a teoria católica do milagre como exceção das leis da natureza, mostrando, do ângulo espiritista, que tais leis não comportam uma derrogação; no que se refere às predições ou profecias, estuda o fenômeno sob a luz da mediunidade, tirando-lhe, assim, qualquer veleidade de mistério e de milagre. Esse volume compendia, até certo ponto, os três primeiros livros básicos, podendo, por isso mesmo, ser considerado como a melhor obra do Codificador.
É certo que a crítica moderna lhe faz restrições um tanto apressadamente, pelo fato de, quer o Codificador, quer os Espíritos que lhe deram algumas mensagens, terem usado uma linguagem hoje superada, à vista dos mesmos progressos da ciência. Mas os Espíritos estavam certos, de vez que, falando aos homens, não poderiam usar de explicações baseadas em teorias que só muito mais tarde deveriam estabelecer-se, à luz de novos conhecimentos. É aos homens, e não aos Espíritos, é que cabem tais descobertas. O mais que se poderia fazer no particular seria uma edição com o texto primitivo, mas largamente comentado, que possibilitasse às pessoas de cultura mediana transportar-se de uma linguagem científica e de um sistema expositivo velhos de um século, para o sistema da era atômica. isto, porém, requer uma grande bagagem de conhecimentos, principalmente no campo da Física, da Geologia, da Mecânica Celeste e da Biologia, principalmente da Biologia Pré-histórica, além de uma bagagem maior de respeito e de compreensão pela obra de Allan Kardec, o que infelizmente nem sempre tem havido. Já temos ouvido de alguns estudiosos apressados a manifestação do desejo de que fosse atualizada a obra kardeciana. Consideramos isto um perigo, máxime porque não sabemos até onde pode chegar a febre de modernização, com o risco de alterar a compreensão kardeciana da Doutrina dos Espíritos.
Ao invés disso fora preferível que, em separado, se fizesse, a exemplo do que aconteceu com tantos pensadores de renome, a apreciação global de sua obra, sob o aspecto filosófico e sociológico. Então em o Pensamento vivo de Kardec seriam apreciadas as linhas gerais da Doutrina dos Espíritos, os critérios científicos que presidiram à Codificação, A Filosofia nela contida, a sua atitude para com as religiões dogmáticas, e não contra as religiões em geral, como erroneamente muitos a interpretam, a filosofia penal espiritista e, principalmente, a sociologia espírita, que ofereceria as linhas mestras de um programa político que, dentro dos princípios cardinais do ensino de Jesus Cristo, realizaria a verdadeira democracia, sem lutas de classe, sem antagonismos raciais ou religiosos. Porque – nunca é demais lembrá-lo – dentro do ponto de vista espiritualista, se a vontade de Deus é onipotente, aqueles mesmos aspectos das religiões que para nós se acham superados coexistem em nossa sociedade e em nossos dias, porque ainda têm uma mensagem a dizer a uma parcela da humanidade não preparada para receber mensagem mais elevada.
Parece-nos que o Espírito de Kardec está à espera de que alguém realize essa tarefa, que a ele não poderia caber, principalmente porque ela necessitava de tempo para que se pudesse avaliar os frutos produzidos pela doutrina e aqueles que ela ainda pode dar.
Allan Kardec tinha vindo já maduro para os trabalhos da Doutrina dos Espíritos. Contava cinqüenta e um anos e era portador de uma lesão grave no coração. Trabalhara intensamente desde mocinho. Os Espíritos lhe recomendavam certa moderação, que ele não se podia permitir porque, olhando em seu redor não via companheiros que enxergassem as coisas do seu mesmo ponto de vista. Tanto assim que através de sua elegância espiritual, por mais de uma vez teve que publicar na Revista Espírita resumos de sessões da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas ou discursos-relatórios de sua gestão, que terminavam com um pedido de sua substituição. Sente-se aí que alguns diretores desejam imprimir uma orientação diversa à sociedade e, conseqüentemente, à marcha do Espiritismo. Nesses discursos-relatórios Kardec não só justificava a sua orientação, inspirada pelos espíritos, como demonstrava a inviabilidade dos planos dos que lhe eram adversos.
Felizmente o bom-senso triunfava.
Mas é de convir que uma luta continuada de cerca de quatorze anos contra forças externas e, também, contra os que agiam internamente na Sociedade deveriam extenuá-lo.
Sua última luta foi após a publicação de A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo.
Em 1869 tratou de reconstituir a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas sob novos moldes, que permitissem manter uma livraria espírita, sustentar a publicação da Revista Espírita e a reedição das suas obras, já citadas. Então ele residia à rua Sant’Ana 25, Galeria Sant’Ana, e pretendia mudar-se a 1º de abril de 1869 para a Avenue Ségur, onde anos antes havia comprado um terreno e estava concluindo a construção de seis casinhas destinadas, após a sua morte, para asilo de velhos espíritas. A livraria estava sendo instalada à rua Lille nº 7, e sua inauguração deveria dar-se a 1º de abril.
Sua casa estava completamente desarrumada, em ablativos de mudança, a sala em desordem, cheia de pacotes que iam sendo transportados quando, ao entregar um pacote da Revista Espírita, o Codificador caiu fulminado, pela ruptura de um aneurisma da aorta, na véspera de sua instalação em novo e definitivo endereço e da inauguração da livraria, isto é, a 31 de março de 1869, quando ele contava 65 anos de idade.
Mesmo assim, a livraria foi inaugurada no dia seguinte. Foi opinião de sua viúva e dos amigos mais íntimos que esse ato representava a execução de sua última vontade.
Foi sepultado no cemitério do Père Lachaise, onde os discípulos e amigos fizeram erigir um modesto mausoléu.
Allan Kardec não deixou descendência. Casara-se em Paris, a 6 de fevereiro de 1832, portanto aos 28 anos de idade, com a Professora Amélie Gabrielle Boudet, nascida a 23 de novembro de 1795, portanto nove anos mais velha do que ele, muito embora não o parecesse. Era de família rica.
Ela continuou a auxiliar os trabalhos da livraria, zelando pelo patrimônio espiritual de seu esposo. Faleceu a 21 de janeiro de 1883, aos oitenta e nove anos de idade.
Allan Kardec deixou muita coisa inédita, mas também deixou um plano de trabalho, conforme ficamos sabendo pelo que, posteriormente, se publicou num volume de Obras Póstumas. Nesse volume há uma ligeira biografia do Codificador, que foi publicada na Revista Espírita de maio de 1869 e o célebre discurso proferido pelo astrônomo Camille Flammarion à beira de seu túmulo.
Entretanto a leitura do volume nos deixa a impressão de que muita coisa ficaria ainda desconhecida do público. O próprio título do livro, no plural, nos deixa supor que outros volumes iriam aparecer.
Por que não vieram?
Mistério.
Há alguns anos, antes da segunda grande guerra, ilustre confrade nosso esteve durante alguns anos em Paris e teve oportunidade de manusear muitos originais inéditos, deixados por Kardec, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, chegando mesmo a tomar alguns apontamentos. Acontece, entretanto, que se arrastava no forum parisiense uma velha demanda entre parentes da sra. Amélie Boudet, Viúva de Allan Kardec e a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Queriam aqueles a posse dos escritos inéditos de Allan Kardec.
Como os reclamantes eram confessadamente católicos, não era de esperar que os quisessem publicar. O que é que ambicionavam? Fazer um bom negócio vendendo raridades?
Não se pode afirmá-lo.
O que se sabe é que esse material está desaparecido. Segundo uns, destruído pelos alemães, quando invadiram a França na segunda Grande Guerra; segundo outros, destruído pelos próprios colaterais da Viúva Alan Kardec.
Para a maioria dos Espíritos uma boa parte do trabalho deixado pelo Codificador continua desconhecida: são os doze volumes que encerram a Revista Espírita escrita quase que exclusivamente por ele. Tais volumes são hoje raríssimos.
Tentamos traduzi-los e chegamos a lançar dois volumes. Na Argentina houve igual tentativa e não chegaram a concluir nem o primeiro. Conhecerá um dia a massa espírita do Brasil essa preciosidade?
Esperemos. São Paulo, dezembro de 1955. Júlio Abreu Filho

  1. Revista Espírita (maio de 1969) - Biografia de Allan Kardec

É ainda sob o guante da dor profunda que nos causou a prematura partida do fundador da Doutrina Espírita, que nos abalançamos a uma tarefa, simples e fácil para suas mãos sábias e experientes, mas cujo peso e gravidade nos esmagariam, se não contássemos com o auxílio eficaz dos bons Espíritos e com a indulgência dos nossos leitores.
Quem, dentre nós, poderia, sem ser tachado de presunçoso, lisonjear-se de possuir o espírito de método e organização de que se mostram iluminados todos os trabalhos do mestre? Só a sua pujante inteligência podia concentrar tantos materiais diversos, triturá-los e transformá-los, para os espalhar em seguida, como orvalho benfazejo, sobre as almas desejosas de conhecer e de amar. Incisivo, conciso, profundo, sabia agradar e fazer compreendido numa linguagem simples e elevada ao mesmo tempo, tão distanciada do estilo familiar, quanto das obscuridades da metafísica. Multiplicando-se incessantemente, pudera até agora bastar a tudo. Entretanto, o cotidiano alargamento de suas relações e o contínuo desenvolvimento do Espiritismo lhe faziam sentir a necessidade de reunir em torno de si alguns auxiliares inteligentes e preparava simultaneamente a nova organização da Doutrina e de seus labores, quando nos deixou, para ir, num mundo melhor, receber a sanção da missão que desempenhara e coletar elementos para uma nova obra de devotamento e sacrifício. Era sozinho!... Chamar-nos-emos legião e, por muito fracos e inexperientes que sejamos, nutrimos a convicção íntima de que nos conservaremos à altura da situação, se, partindo dos princípios estabelecidos e de incontestável evidência, nos consagrarmos a executar, tanto quanto nos seja possível e de acordo com as necessidades do momento, os projetos que ele pretendia realizar no futuro. Enquanto nos mantivermos nas suas pegadas e todos os de boa vontade se unirem, num esforço comum pelo progresso e pela regeneração intelectual e moral da Humanidade, conosco estará o Espírito do grande filósofo e nos secundará com a sua influência poderosa. Dado lhe seja suprir à nossa insuficiência e nos possamos mostrar dignos do seu concurso, dedicando-nos à obra com a mesma abnegação e a mesma sinceridade que ele, embora sem tanta ciência e inteligência.
Em sua bandeira, inscrevera o mestre estas palavras: Trabalho, solidariedade, tolerância. Sejamos, como ele, infatigáveis; sejamos, acordemente com os seus anseios, tolerantes e solidários e não temamos seguir-lhe o exemplo, reconsiderando, quantas vezes forem precisas, os princípios ainda controvertidos. Tentemos avançar, antes com segurança e certeza, do que com rapidez, e não ficarão infrutíferos os nossos esforços, se, como estamos persuadidos, e seremos os primeiros a dar disso exemplo, cada um cuidar de cumprir o seu dever, pondo de lado todas as questões pessoais, a fim de contribuir para o bem geral. Sob auspícios mais favoráveis não poderíamos entrar na nova fase que se abre para o Espiritismo, do que dando a conhecer aos nossos leitores, num rápido escorço, o que foi, durante toda a sua vida, o homem íntegro e honrado, o sábio inteligente e fecundo, cuja memória se transmitirá aos séculos vindouros com a auréola dos benfeitores da Humanidade.
Nascido em Lião, a 3 de outubro de 1804, de uma família antiga que se distinguiu na magistratura e na advocacia, Allan Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail) não seguiu essas carreiras. Desde a primeira juventude, sentiu-se inclinado ao estudo das ciências e da filosofia. Educado na Escola de Pestalozzi, em Yverdun (Suíça), tornou-se um dos mais eminentes discípulos desse célebre professor e um dos zelosos propagandistas do seu sistema de educação, que tão grande influência exerceu sobre a reforma do ensino na França e na Alemanha. Dotado de notável inteligência e atraído para o ensino, pelo seu caráter e pelas suas aptidões especiais, já aos catorze anos ensinava o que sabia àqueles dos seus condiscípulos que haviam aprendido menos do que ele. Foi nessa escola que lhe desabrocharam as idéias que mais tarde o colocariam na classe dos homens progressistas e dos livre-pensadores. Nascido sob a religião católica, mas educado num país protestante, os atos de intolerância que por isso teve de suportar, no tocante a essa circunstância, cedo o levaram a conceber a idéia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou em silêncio durante longos anos com o intuito de alcançar a unificação das crenças. Faltava-lhe, porém, o elemento indispensável à solução desse grande problema.
O Espiritismo veio, a seu tempo, imprimir-lhe especial direção aos trabalhos. Concluídos seus estudos, voltou para a França. Conhecendo a fundo a língua alemã, traduzia para a Alemanha diferentes obras de educação e de moral e, o que é muito característico, as obras de Fénelon, que o tinham seduzido de modo particular. Era membro de várias sociedades sábias, entre outras, da Academia Real de Arras, que, em o concurso de 1831, lhe premiou uma notável memória sobre a seguinte questão: Qual o sistema de estudos mais de harmonia com as necessidades da época? De 1835 a 1840, fundou, em sua casa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de Química, Física, Anatomia comparada, Astronomia, etc., empresa digna de encômios em todos os tempos, mas, sobretudo, numa época em que só um número muito reduzido de inteligências ousava enveredar por esse caminho.
Preocupado sempre com o tornar atraentes e interessantes os sistemas de educação, inventou, ao mesmo tempo, um método engenhoso de ensinar a contar e um quadro mnemônico da História de França, tendo por objetivo fixar na memória as datas dos acontecimentos de maior relevo e as descobertas que iluminaram cada reinado. Entre as suas numerosas obras de educação, citaremos as seguintes: Plano proposto para melhoramento da Instrução pública (1828); Curso prático e teórico de Aritmética, segundo o método de Pestalozzi, para uso dos professores e das mães de família (1824); Gramática francesa clássica (1831); Manual dos exames para os títulos de capacidade; Soluções racionais das questões e problemas de Aritmética e de Geometria (1846); Catecismo gramatical da língua francesa (1848); Programa dos cursos usuais de Química, Física, Astronomia, Fisiologia, que ele professava no Liceu Polimático; Ditados normais dos exames da Municipalidade e da Sorbona, seguidos de Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas (1849), obra muito apreciada na época do seu aparecimento e da qual ainda recentemente eram tiradas novas edições.
Antes que o Espiritismo lhe popularizasse o pseudônimo de Allan Kardec, já ele se ilustrara, como se vê, por meio de trabalhos de natureza muito diferente, porém tendo todos, como objetivo, esclarecer as massas e prendê-las melhor às respectivas famílias e países. “Pelo ano de 1855, posta em foco a questão das manifestações dos Espíritos, Allan Kardec se entregou a observações perseverantes sobre esse fenômeno, cogitando principalmente de lhe deduzir as conseqüências filosóficas. Entreviu, desde logo, o princípio de novas leis naturais: as que regem as relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Reconheceu, na ação deste último, uma das forças da Natureza, cujo conhecimento, haveria de lançar luz sobre uma imensidade de problemas tidos por insolúveis, e lhe compreendeu o alcance, do ponto de vista religioso. “Suas obras principais sobre esta matéria são: O Livro dos Espíritos, referente à parte filosófica, e cuja primeira edição apareceu a 18 de abril de 1857; O Livro dos Médiuns, relativo à parte experimental e científica (janeiro de 1861); O Evangelho segundo o Espiritismo, concernente à parte moral (abril de 1864); O Céu e o Inferno, ou A justiça de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); A Gênese, os Milagres e as Predições (janeiro de 1868); a Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, periódico mensal começado a 1º de janeiro de 1858. Fundou em Paris, a 1º de abril de 1858, a primeira Sociedade espírita regularmente constituída, sob a denominação de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cujo fim exclusivo era o estudo de quanto possa contribuir para o progresso da nova ciência. Allan Kardec se defendeu, com inteiro fundamento, de coisa alguma haver escrito debaixo da influência de idéias preconcebidas ou sistemáticas. Homem de caráter frio e calmo, observou os fatos e de suas observações deduziu as leis que os regem. Foi o primeiro a apresentar a teoria relativa a tais fatos e a formar com eles um corpo de doutrina, metódico e regular.
Demonstrando que os fatos erroneamente qualificados de sobrenaturais se acham submetidos a leis, ele os incluiu na ordem dos fenômenos da Natureza, destruindo assim o último refúgio do maravilhoso e um dos elementos da superstição.
Durante os primeiros anos em que se tratou de fenômenos espíritas, estes constituíram antes objeto de curiosidade, do que de meditações sérias. O Livro dos Espíritos fez que o assunto fosse considerado sob aspecto muito diverso. Abandonaram-se as mesas girantes, que tinham sido apenas um prelúdio, e começou-se a atentar na doutrina, que abrange todas as questões de interesse para a Humanidade.
Data do aparecimento de O Livro dos Espíritos a fundação do Espiritismo que, até então, só contara com elementos esparsos, sem coordenação, e cujo alcance nem toda gente pudera apreender. A partir daquele momento, a doutrina prendeu a atenção de homens sérios e tomou rápido desenvolvimento. Em poucos anos, aquelas idéias conquistaram numerosos aderentes em todas as camadas sociais e em todos os países. Esse êxito sem precedentes decorreu sem dúvida da simpatia que tais idéias despertaram, mas também é devido, em grande parte, à clareza com que foram expostas e que é um dos característicos dos escritos de Allan Kardec.
Evitando as fórmulas abstratas da Metafísica, ele soube fazer que todos o lessem sem fadiga, condição essencial à vulgarização de uma idéia. Sobre todos os pontos controversos, sua argumentação, de cerrada lógica, poucas ensanchas oferece à refutação e predispõe à convicção. As provas materiais que o Espiritismo apresenta da existência da alma e da vida futura tendem a destruir as idéias materialistas e panteístas. Um dos princípios mais fecundos dessa doutrina e que deriva do precedente é o da pluralidade das existências, já entrevisto por uma multidão de filósofos antigos e modernos e, nestes últimos tempos, por João Reynaud, Carlos Fourier, Eugênio Sue e outros. Conservara-se, todavia, em estado de hipótese e de sistema, enquanto o Espiritismo lhe demonstra a realidade e prova que nesse princípio reside um dos atributos essenciais da Humanidade. Dele promana a explicação de todas as aparentes anomalias da vida humana, de todas as desigualdades intelectuais, morais e sociais, facultando ao homem saber donde vem, para onde vai, para que fim se acha na Terra e por que aí sofre.
As idéias inatas se explicam pelos conhecimentos adquiridos nas vidas anteriores; a marcha dos povos e da Humanidade, pela ação dos homens dos tempos idos e que revivem, depois de terem progredido; as simpatias e antipatias, pela natureza das relações anteriores. Essas relações, que religam a grande família humana de todas as épocas, dão por base, aos grandes princípios de fraternidade, de igualdade, de liberdade e de solidariedade universal, as próprias leis da Natureza e não mais uma simples teoria.
Em vez do postulado: Fora da Igreja não há salvação, que alimenta a separação e a animosidade entre as diferentes seitas religiosas e que há feito correr tanto sangue, o Espiritismo tem como divisa: Fora da Caridade não há salvação, isto é, a igualdade entre os homens perante Deus, a tolerância, a liberdade de consciência e a benevolência mútua.
Em vez da fé cega, que anula a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inabalável, senão a que pode encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade. À fé, uma base se faz necessária e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que se tem de crer. Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é para este século. É precisamente ao dogma da fé cega que se deve o ser hoje tão grande o número de incrédulos, porque ela quer impor-se e exige a abolição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio.(O Evangelho segundo o Espiritismo.) Trabalhador infatigável, sempre o primeiro a tomar da obra e o último a deixá-la, Allan Kardec sucumbiu, a 31 de março de 1869, quando se preparava para uma mudança de local, imposta pela extensão considerável de suas múltiplas ocupações. Diversas obras que ele estava quase a terminar, ou que aguardavam oportunidade para vir a lume, demonstrarão um dia, ainda mais, a extensão e o poder das suas concepções. Morreu conforme viveu: trabalhando. Sofria, desde longos anos, de uma enfermidade do coração, que só podia ser combatida por meio do repouso intelectual e pequena atividade material. Consagrado, porém, todo inteiro à sua obra, recusava-se a tudo o que pudesse absorver um só que fosse de seus instantes, à custa das suas ocupações prediletas. Deu-se com ele o que se dá com todas as almas de forte têmpera: a lâmina gastou a bainha. O corpo se lhe entorpecia e se recusava aos serviços que o Espírito lhe reclamava, enquanto este último, cada vez mais vivo, mais enérgico, mais fecundo, ia sempre alargando o círculo de sua atividade. Nessa luta desigual não podia a matéria resistir eternamente. Acabou sendo vencida: rompeu-se o aneurisma e Allan Kardec caiu fulminado. Um homem houve de menos na Terra; mas, um grande nome tomava lugar entre os que ilustraram este século; um grande Espírito fora retemperar-se no Infinito, onde todos os que ele consolara e esclarecera-lhe aguardavam impacientes a volta!
“A morte, dizia, faz pouco tempo, redobra os seus golpes nas fileiras ilustres!... A quem virá ela agora libertar?” Ele foi, como tantos outros, recobrar-se no Espaço, procurar elementos novos para restaurar o seu organismo gasto por uma vida de incessantes labores. Partiu com os que serão os fanais da nova geração, para voltar em breve com eles a continuar e acabar a obra deixada em delicadas mãos.
O homem já aqui não está; a alma, porém, permanecerá entre nós. Será um protetor seguro, uma luz a mais, um trabalhador incansável que as falanges do Espaço conquistaram. Como na Terra, sem ferir a quem quer que seja, ele fará que cada um lhe ouça os conselhos oportunos; abrandará o zelo prematuro dos ardorosos, amparará os sinceros e os desinteressados e estimulará os mornos. Vê agora e sabe tudo o que ainda há pouco previa! Já não está sujeito às incertezas, nem aos desfalecimentos e nos fará partilhar da sua convicção, fazendo-nos tocar com o dedo a meta, apontando-nos o caminho, naquela linguagem clara, precisa, que o tornou aureolado nos anais literários. Já não existe o homem, repetimo-lo. Entretanto, Allan Kardec é imortal e a sua memória, seus trabalhos, seu Espírito estarão sempre com os que empunharem forte e vigorosamente o estandarte que ele soube sempre fazer respeitado.
Uma individualidade pujante constituiu a obra. Era o guia e o fanal de todos. Na Terra, a obra substituirá o obreiro. Os crentes não se congregarão em torno de Allan Kardec; congregar-se-ão em torno do Espiritismo, tal como ele o estruturou e, com os seus conselhos, sua influência, avançaremos, a passos firmes, para as fases ditosas prometidas à Humanidade regenerada.
(Revista Espírita, maio de 1869.)

  1. A Caminho da Luz capítulos 22 e 23;

ALLAN KARDEC
A ação de Bonaparte, invadindo as searas alheias com o seu movimento de transformação e conquistas, fugindo à finalidade de missionário da reorganização do povo francês, compeliu o mundo espiritual a tomar enérgicas providências contra o seu despotismo e vaidade orgulhosa. Aproximavam-se os tempos em que Jesus deveria enviar ao mundo o Consolador, de acordo com as suas auspiciosas promessas.
Apelos ardentes são dirigidos ao Divino Mestre, pelos gênios tutelares dos povos terrestres. Assembléias numerosas se reúnem e confraternizam nos espaços, nas esferas mais próximas da Terra. Um dos mais lúcidos discípulos do Cristo baixa ao planeta, compenetrado de sua missão consoladora, e, dois meses antes de Napoleão Bonaparte sagrar-se imperador, obrigando o papa Pio VII a coroá-lo na igreja de Notre Dame, em Paris, nascia Allan Kardec, aos 3 de outubro de 1804, com a sagrada missão de abrir caminho ao Espiritismo, a grande voz do Consolador prometido ao mundo pela misericórdia de Jesus-Cristo.

ALLAN KARDEC E OS SEUS COLABORADORES
O século XIX desenrolava uma torrente de claridades na face do mundo, encaminhando todos os países para as reformas úteis e preciosas. As lições sagradas do Espiritismo iam ser ouvidas pela Humanidade sofredora. Jesus, na sua magnanimidade, repartiria o pão sagrado da esperança e da crença com todos os corações. Allan Kardec, todavia, na sua missão de esclarecimento e consolação, fazia-se acompanhar de uma plêiade de companheiros e colaboradores, cuja ação regeneradora não se manifestaria tão-somente nos problemas de ordem doutrinária, mas em todos os departamentos da atividade intelectual do século XIX. A Ciência, nessa época, desfere os vôos soberanos que a conduziriam às culminâncias do século XX. O progresso da arte tipográfica consegue interessar todos os núcleos de trabalho humano, fundando-se bibliotecas circulantes, revistas e jornais numerosos A facilidade de comunicações, com o telégrafo e as vias férreas, estabelece o intercâmbio direto dos povos. A literatura enche-se de expressões notáveis e imorredouras. O laboratório afasta-se definitivamente da sacristia, intensificando as comodidades da civilização. Constrói-se a pilha de coluna, descobre-se a indução magnética, surgem o telefone e o fonógrafo. Aparecem os primeiros sulcos no campo da radiotelegrafia, encontra-se a análise espectral e a unidade das energias físicas da Natureza. Estuda-se a teoria atômica e a fisiologia assenta bases definitivas com a anatomia comparada. As artes atestam uma vida nova. A pintura e a música denunciam elevado sabor de espiritualidade avançada. A dádiva celestial do intercâmbio entre o mundo visível e o invisível chegou ao planeta nessa onda de claridades inexprimíveis. Consolador da Humanidade, segundo as promessas do Cristo, o Espiritismo vinha esclarecer os homens, preparando-lhes o coração para o perfeito aproveitamento de tantas riquezas do Céu.

  1. Ação, Vida e Luz, “Falando a Kardec”;

FALANDO  A  KARDEC
Cruz e Souza
Apostolo da luz ditosa e bela,
Quando desceste da Divina Altura,
Surgia a Terra desolada e escura
Por agressiva e torva cidadela.
Qual nau sublime que se desmantela
Naufragava na sombra a fé mais pura
E envolvia-se o templo da cultura
No turbilhão de indômita procela...
Mas trouxeste equilíbrio ao caos nefando
E "O Livro dos Espíritos" brilhando,
Rompe a noite mental, espessa e fria!
Ante o sol da Verdade a que te elevas,
Revelaste Jesus ao mundo em trevas
E acendeste o clarão do Novo Dia.
(“Ação, Vida e Luz” de F C Xavier e Espíritos Diversos)

  1. Cartas e Crônicas capítulo 28;

KARDEC  E  NAPOLEÃO

Irmão X
Logo após o Brumário (9 de Novembro de 1799), quando Napoleão se fizera o primeiro Cônsul da República Francesa, reuniu-se, na noite de 31 de Dezembro de 1799, no coração da latinidade, nas esferas Superiores, grande assembléia, de espíritos sábios e benevolentes, para marcarem a entrada significativa do novo século.
Antigas personalidades de Roma Imperial, pontífices e guerreiros das Gálias, figuras notáveis da Espanha, ali se congregavam à espera do expressivo acontecimento.
Legiões dos Césares, com os seus estandartes, falanges de batalhadores do mundo gaulês e grupos de pioneiros da evolução hispânica, associados a múltiplos representantes das Américas, guardavam linhas simbólicas de posição de destaque.
Mas não somente os latinos se faziam representados no grande conclave. Gregos ilustres, lembrando as confabulações da Acrópole gloriosa, israelitas famosos, recordando o Templo de Jerusalém, deputações eslavas e germânicas, grandes vultos da Inglaterra, sábios chineses, filósofos hindus, teólogos budistas, sacrificadores das divindades olímpicas, renomados sacerdotes da Igreja Romana e continuadores de Maomet ali se mostravam, como em vasta convocação de forças da ciência e da cultura da Humanidade.
No concerto das brilhantes delegações que aí formavam, com toda a sua fulguração representativa, surgiam Espíritos de velhos batalhadores do progresso que voltariam à liça carnal ou que a seguiriam, de perto, para o combate à ignorância e a miséria, na laboriosa preparação da nova era da fraternidade e da luz.
No deslumbrante espetáculo da Espiritualidade Superior, com a refulgência de suas almas, achavam-se Sócrates, Platão Aristóteles, Apolônio de Tiana, Orígenes, Hipócrates, Agostinho, Fénelon, Giordano Bruno, Tomás de Aquino, S.Luis de França, Vicente de Paulo, Joana D’Arc, Tereza d’Avila, Catarina de Siena, Bossuet, Spinoza, Erasmo, Mílton, Cristóvão Colombo, Gutenberg, Galileu, Pascal, Swedenborg e Dante Alighieri para mencionar apenas alguns heróis e paladinos da renovação terrestre; e, em planos menos brilhantes, encontravam-se, no recinto maravilhoso, trabalhadores de ordem inferior, incluindo muitos dos ilustres guilhotinados da Revolução, quais Luís XVI, Maria Antonieta, Robespierre, Danton, Madame Roland, André Chenier, Bailly, Camile Desmoulins, e grandes vultos como Voltaire e Rousseau.
Depois da palavra rápida de alguns orientadores eminentes, invisíveis clarins soaram na direção do plano carnal e, em breves instantes, do seio da noite, que velava o corpo ciclópico do mundo europeu, emergiu, sob a custodia de esclarecidos mensageiros, reduzido cortejo de sombras, que pareciam estranhas e vacilantes, confrontadas com as feéricas irradiações do palácio festivo.
Era um grupo de almas, ainda encarnadas, que, constrangidas pela Organização Celeste, remontavam à vida espiritual, para a reafirmação de compromissos.
À frente, vinha Napoleão, que centralizou o interesse de todos os circunstantes. Era bem o grande corso, com os seus trajes habituais e com o seu chapéu característico.
Recebido por diversas figuras da Roma antiga, que se apressavam em ofercer-lhe apoio e auxilio, o vencedor de Rivoli ocupou radiosa poltrona que, de antemão, lhe fora preparada.
Entre aqueles que o seguiram, na singular excursão, encontravam-se respeitáveis autoridades reencarnadas no Planeta, como Beethoven, Ampère, Fúlton, Faraday, Goethe, João Dálton, Pestalozzi, Pio VII, além de muitos outros campeões da prosperidade e da independência do mundo.
Acanhados no veículo espiritual que os prendia à carne terrestre, quase todos os recém-vindos banhavam-se em lágrimas de alegria e emoção.
O Primeiro-Cônsul da França, porém, trazia os olhos enxutos, não obstante a extrema palidez que lhe cobria a face. Recebendo o louvor de várias legiões, limitava-se a responder com acenos discretos, quando os clarins ressoaram, de modo diverso, como se pusessem a voar para os cimos, no rumo do imenso infinito...
Imediatamente uma estrada de luz, à maneira de ponte levadiça, projetou-se do Céu, ligando-se ao castelo prodigioso, dando passagem a inúmeras estrelas resplendentes.
Em alcançando o solo delicado, contudo, esses astros se transformavam sem seres humanos, nimbados de claridade celestial.
Dentre todos, no entanto, um deles avultava em superioridade e beleza. Tiara rutilante brilhava-lhe na cabeça, como que a aureolar-lhe de bênçãos o olhar magnânimo, cheio de atração e doçura. Na destra, guardava um cetro dourado, a recamar-se de sublimes cintilações...
Musicistas invisíveis, através dos zéfiros que passavam apressados, prorromperam num cântico de hosanas, sem palavras articuladas.
A multidão mostrou profunda reverência, ajoelhando-se muitos dos sábios e guerreiros, artistas e pensadores, enquanto todos os pendões dos vexilários arriavam, silenciosos, em sinal de respeito.
Foi então que o corso se pôs em lágrimas e, levantando-se, avançou com dificuldade, na direção do mensageiro que trazia o báculo de ouro, postando-se genuflexo, diante dele.
O celeste emissário, sorrindo com naturalidade, ergueu-o, de pronto, e procurava abraçá-lo, quando o Céu pareceu abrir-se diante de todos, e uma voz enérgica e doce, forte como a ventania e veludosa como a ignorada melodia da fonte, exclamou para o Napoleão, que parecia eletrizado de pavor e júbilo, ao mesmo tempo:
- Irmão e amigo ouve a verdade, que te fala em meu espírito! Eis-te à frente do apóstolo da fé, que, sob a égide do Cristo, descerrará para a Terra atormentada um novo ciclo de conhecimento...
César ontem, e hoje orientador, rende o culto de tua veneração, ante o pontífice da luz! Renova, perante o Evangelho, o compromisso de auxiliar-lhe a obra renascente!...
Aqui se congregam conosco lidadores de todas as épocas. Patriotas de Roma e das Gálias, generais e soldados que te acompanham nos conflitos da Farsália, de Tapso e de Munda, remanescentes das batalhas de Gergóvia e de Alésia aqui te surpreendem com simpatia e expectação... Antigamente, no trono absoluto, pretendias-te descendente dos deuses para dominar a Terra e aniquilar os inimigos... Agora, porém, o Supremo Senhor concedeu-te por berço uma ilha perdida no mar, para que te não esqueças da pequenez humana e determinou voltasses ao coração do povo que outrora humilhaste e escarneceste, a fim de que lhe garantas a missão gigantesca, junto da Humanidade, no século que vamos iniciar.
Colocado pela Sabedoria Celeste na condição de timoneiro da ordem, no mar de sangue da Revolução, não olvides o mandato para o qual fostes escolhido.
Não acredites que as vitórias das quais fostes investido para o Consulado devam ser atribuídas exclusivamente ao teu gênio militar e político. A Vontade do Senhor expressa-se nas circunstâncias da vida. Unge-te de coragem para governar sem ambição e reger sem ódio. Recorre à oração e à humildade para que te não arrojes aos precipícios da tirania e da violência!...
Indicado para consolidar a paz e a segurança, necessárias ao êxito do abnegado apóstolo que descortinará a era nova, serás visitado pelas monstruosas tentações do poder.
Não te fascines pela vaidade que buscará coroar-te a fronte... Lembra-te de que o sofrimento do povo francês, perseguido pelos flagelos da guerra civil, é o preço da liberdade humana que deves defender, até o sacrifício. Não te macules com a escravidão dos povos fracos e oprimidos e nem enlameies os teus compromissos com o exclusivismo e com a vingança!...
Recorda que, obedecendo a injunções do pretérito, renasceste para garantir o ministério espiritual do discípulo de Jesus que regressa à experiência terrestre, e vale-te da oportunidade para santificar os excelsos princípios da bondade e do perdão, do serviço e da fraternidade do Cordeiro de Deus, que nos ouve em seu glorificado sólio de sabedoria e de amor!
Se honrares as tuas promessas, terminará a missão com o reconhecimento da posteridade e escalarás horizontes mais altos da vida, mas, se as tuas responsabilidades forem menosprezadas, sombrias aflições amontoar-se-ão sobre as tuas horas, que passarão a ser gemidos escuros em extenso deserto...
Dentro do novo século, começaremos a preparação do terceiro milênio do Cristianismo na Terra.
Novas concepções de liberdade surgirão para os homens, a Ciência erguer-se-á a indefiníveis culminâncias, as nações cultas abandonarão para sempre o cativeiro e o tráfico de criaturas livres e a religião desatará os grilhões do pensamento que, até hoje, encarceram as melhores aspirações da alma no inferno sem perdão!...
Confiamos, pois, ao teu espírito valoroso a governança política dos novos eventos e que o Senhor te abençoe!...
Cânticos de alegria e esperança anunciaram nos céus a chegada do século XIX e, enquanto o Espírito da Verdade, seguido por várias cortes resplandecentes, voltava para o Alto, a inolvidável assembléia se dissolvia...
O apóstolo que seria Allan Kardec, sustentando Napoleão nos braços, conchegou-o de encontro ao peito e acompanhou-o, bondosamente, até religá-lo ao corpo de carne, no próprio leito.
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Em 3 de outubro de 1804, o mensageiro da renovação renascia num abençoado lar de Lião, mas o Primeiro-Cônsul da República Francesa, assim que se viu desembaraçado da influência benéfica e protetora do Espírito de Allan Kardec e de seus cooperadores, que retomavam, pouco a pouco, a integração com a carne, confiantes e otimistas, engalanou-se com a púrpura do mando e, embriagado de poder, proclamou-se Imperador, em 18 de maio de 1804, ordenando a Pio VII viesse coroá-lo em Paris.
Napoleão, contudo, convertendo celestes concessões em aventuras sanguinolentas, foi apressadamente situado, por determinação do Alto, na solidão curativa de Santa Helena, onde esperou a morte, enquanto Allan Kardec, apagando a própria grandeza, na humildade de um mestre-escola, muita vez atormentado e desiludido, como simples homem do povo, deu integral cumprimento à divina missão que trazia à Terra, inaugurando a era espírita-cristã, que, gradativamente, será considerada em todos os quadrantes do orbe como a sublime renascença da luz para o mundo inteiro.
(“Cartas e Crônicas” de F C Xavier e Irmão X)

  1. Construção do amor, “Ante Allan Kardec”;

ANTE  ALLAN  KARDEC
Emmanuel
            Perante as rajadas do materialismo a encapelarem o oceano da experiência terrestre, a Obra Kardequiana assemelha-se, incontestavelmente, à embarcação providencial que singra as águas revoltas com segurança.
            Por fora, grandes instituições que pareciam venerandos navios estalam nos alicerces, enquanto esperanças humanas de todos os climas, lembrando barcos de todas as procedências, se entrechocam na fúria dos elementos, multiplicando as aflições e os gritos dos náufragos que bracejam nas trevas.
            De que serviria, no entanto, a construção imponente se estivesse reduzida à condição de recinto dourado para exclusivo entretenimento de alguns viajantes, em tertúlias preciosas, indiferentes ao apelo dos que esmorecem no caos?
            Prevenindo contra semelhante impropriedade, os sábios instrutores que escreveram a introdução de “O Livro dos Espíritos”, disseram claramente a Allan Kardec: “Mas, todos os que tiverem em vista o grande princípio de Jesus se confundirão num só sentimento: o do amor do bem e se unirão por um laço fraterno que prenderá o mundo inteiro”.
            Indubitavelmente, a obra espírita é a embarcação acolhedora, consagrada ao amor do bem.
            Urge, desse modo, que os seus tripulantes felizes não se percam nos conflitos palavrosos ou nas divagações estéreis.
            Trabalhemos, ascendendo fachos de raciocínio para os que se debatem nas sombras.
            Todos concordamos em que Allan Kardec é o apóstolo da renovação humana, cabendo-nos o dever de dar-lhe expressão funcional aos ensinos com a obrigação de repartir-lhe a mensagem de luz, entre os companheiros de Humanidade.
            Assim sendo, traçamos estes despretensiosos comentários.
(“Construção Do Amor” de F C. Xavier e Emmanuel)

10.          Crônicas de Além-túmulo “O Grande missionário”;

O  GRANDE  MISSIONÁRIO
Humberto de Campos (28 de setembro de 1936)
Como as demais criaturas terrenas, o grande missionário de Lião, que se chamou Hippolyte Rivail, ou Allan Kardec, foi catalogado, em 3 de outubro de 1804, nas estatísticas humanas, retomando um organismo de carne para cumprimento de sua maravilhosa tarefa.
Cento e trinta e dois anos são passados sobre o acontecido e o apóstolo francês é lembrado, carinhosamente, na memória dos homens.
Professor dedicado ao seu grandioso ideal de edificar as almas, discípulo eminente de Pestalozzi, Allan Kardec trazia, desde o início de sua mocidade, a paixão pelas utilidades das coisas do espírito.
Suas obras didáticas estão cheias de amor a esse apostolado. Até depois de 50 anos, sua palavra confortadora e sábia dirigiu-se às escolas, seus fosfatos foram consumidos nos mais nobres labores do intelecto, em favor da formação da juventude; suas mãos de benfeitor edificaram o espírito da infância e da mocidade de sua pátria. Sua vida de homem está repleta de grandes renúncias e sublimes dedicações. Nunca os insultos e as ações dos traidores lhe entibiaram o ânimo de soldado do bem. Os espíritos das estradas do mundo não lhe trucidaram o coração temperado no aço da energia espiritual e no ouro das convicções sadias que lhe povoaram toda a existência.
Recordando a beleza perfeita dos planos intangíveis, que vinha de deixar para cumprir na Terra a mais elevada das obrigações de um missionário, sob as vistas amoráveis de Jesus, Allan Kardec fez da sua vida um edifício de exemplos enobrecedores, esperando sempre a ordem do Mestre Divino para que suas mãos intrépidas tomassem a charrua das ações construtoras e edificantes.
Só depois de 50 anos sua personalidade adquiriu a precisa preponderância e sua atividade, o desdobramento necessário, prestigiando-se a sua tarefa na codificação do Espiritismo, que vinha trazer à humanidade uma nova luz para a solução do amargo problema do destino e da dor. Ninguém como ele compreendeu tanto a necessidade da intervenção das forças celestes para que as conquistas do pensamento humano, sintetizado no surto das civilizações, não se perdessem na noite dos materialismos dissolventes. Ele sentiu, refletindo as poderosas vibrações do Alto, que os seus contemporâneos preparavam a extinção de toda a crença e de toda a esperança que deveriam fortalecer o espírito humano, nas dolorosas transições do século XX. As especulações filosóficas e científicas de Comte, Virchow, Büchner e Moleschot, aliadas ao sibaritismo dos religiosos, teriam eliminado fatalmente a fé da Humanidade no seu glorioso porvir espiritual, em todos os setores da civilização do Ocidente, se o missionário de Lião não viesse trazer aos homens a cooperação da sua renúncia e dos seus abençoados sacrifícios.
Quando Jesus desceu um dia à Terra para oferecer às criaturas a dádiva da sua vida e do seu amor, seus passos foram precedidos pelos de João Batista, que aceitara a dolorosa tarefa de precursor, experimentando todos os martírios no deserto. O Consolador prometido à Terra pelo coração misericordioso do Divino Mestre, e que é o Espiritismo, teve o sacrifício de Allan Kardec – o precursor da sua gloriosa disseminação no peito atormentado das criaturas humanas. Seu retiro não foi a terra brava e estéril da Judéia, mas o deserto de sentimentos das cidades tumultuosas; no burburinho das atividades dos homens, no turbilhão das suas lutas, ele experimentou na alma, muitas vezes, o fel do apodo e do insulto dos malevolentes e dos ingratos. Mas, sua obra aí ficou como o roteiro maravilhoso do país abençoado da redenção. Espíritos eminentes foram ao mapa de suas atividades para conhecerem melhor o caminho. Flammarion se embriaga no perfume ignorado dessas terras misteriosas do novo conhecimento, descobertas pela sua operosidade de instrumento do Senhor, e apresenta ao mundo as suas novas teorias cosmológicas, enchendo a fria matemática astronômica de singular beleza e suave poesia. Sua obra – “Lês Forces Naturelles Inconnues” é um caminho aberto às indagações científicas que teriam mais tarde, com Reichet, amplos desenvolvimentos. Gabriel Delanne e Leon Denis se inflamam de entusiasmo diante das obras do mestre e ensaiam a filosofia espiritualista, inaugurando uma nova época para o pensamento religioso, alargando as perspectivas infinitas da ciência universal.
E, desde os meados do século que passou, a figura de Kardec se eleva cada vez mais no conceito dos homens. O interesse do mundo pela sua obra pode ser conhecido pelo número de edições de seus livros, e, na hora que passa, cheia de nuvens nos horizontes da Terra e de amargas apreensões no seio de suas criaturas, nenhuma homenagem há, mais justa e mais merecida, do que essa que se prepara em todos os recantos onde a consoladora doutrina do Espiritismo plantou a sua bandeira, como preito de admiração ao ilustre e benemérito codificador.
O Brasil evangélico deve orgulhar-se das comemorações que levará a efeito, lembrando a personalidade inconfundível do grande missionário francês, porque a obra mais sublime de Allan Kardec foi a reedificação da esperança de todos os infortunados e de todos os infelizes do mundo, no amor de Jesus-Cristo.
Conta-se que logo após a sua desencarnação, quando o corpo ainda não havia baixado ao Père-Lachaise(1) para descansar à sombra do dólmen dos seus valorosos antepassados, uma multidão de Espíritos veio saldar o mestre no limiar do sepulcro. Eram antigos homens do povo, seres infelizes que ele havia consolado e redimido com suas ações prestigiosas, e, quando se entregavam às mais santas expansões afetivas, uma lâmpada maravilhosa caiu do céu sobre a grande assembléia dos humildes, iluminando-a com uma luz que, por sua vez, era formada de expressões do seu “Evangelho segundo o Espiritismo”, ao mesmo tempo em que uma voz poderosa e suave dizia do Infinito:
- “Kardec, regozija-te com a tua obra! A luz que acendeste com os teus sacrifícios na estrada escura das descrenças humanas vem felicitar-te nos pórticos misteriosos da Imortalidade... O mel suave da esperança e da fé que derramaste nos corações sofredores da Terra, reconduzindo-os para a confiança da minha misericórdia, hoje se entorna em tua própria alma, fortificando-te para a claridade maravilhosa do futuro. No céu estão guardados todos os
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(1)Pequeno engano do cronista, pois que o corpo foi sepultado primeiramente no Cemitério de Montmartre. A trasladação dos despojos para o dólmen do Père-Lechaise fez-se um ano depois. (Nora da Editora – FEB).
prantos que choraste e todos os sacrifícios que empreendeste... Alegra-te no Senhor, pois teus labores não ficaram perdidos. Tua palavra será uma bênção para os infelizes e desafortunados do mundo, e ao influxo de tuas obras a Terra conhecerá o Evangelho no seu novo dia!...”
Acrescenta-se, então, que grandes legiões de Espíritos eleitos entoaram na Imensidade um hino de hosanas ao homem que organizara as primícias do Consolador para o planeta terreno e que, escoltado pelas multidões de seres agradecidos e felizes, foi o mestre, em demanda das esferas luminosas, receber a nova palavra de Jesus.
Kardec! eu não te conheci e nem te poderia entender na minha condição de homem perverso da Terra, mas recebe, no dia em que o mundo lembra, comovido, a tua presença entre os homens, o preito da minha amizade e da minha admiração.
(“Crônicas de Além Túmulo” de F C Xavier e Irmão X).

11.           Doutrina de Luz: “Reverenciando Kardec”, “Kardec e a espiritualidade” e “Saudando Allan Kardec”;

REVERENCIANDO  KARDEC
 Emmanuel 
Antes de Kardec, embora não nos faltasse a crença em Jesus, vivíamos na Terra atribulados por flagelos da mente, quais os que expomos:
o combate recíproco e incessante entre os discípulos do Evangelho;
o cárcere das interpretações literais;
o espírito de seita;
a intransigência delituosa;
o obsessão sem remédio;
o anátema nas áreas da filosofia e da ciência;
o cativeiro aos rituais;
a dependência quase absoluta dos templos de pedra para as tarefas da edificação íntima;
a preocupação de hegemonia religiosa;
a tirania do medo, ante as sombrias perspectivas do além-túmulo;
o pavor da morte, por suposto fim da vida.
Depois de Kardec, porém, com a fé raciocinada nos ensinamentos de Jesus, o mundo encontra no Espiritismo Evangélico benefícios incalculáveis, como sejam:
a libertação das consciências;
a luz para o caminho espiritual;
a dignificação do serviço ao próximo;
o discernimento;
o livre acesso ao estudo da lei de causa e efeito, com a reencarnação explicando as origens do sofrimento e as desigualdades sociais;
o esclarecimento da mediunidade e a cura dos processos obsessivos;
a certeza da vida após a morte;
o intercâmbio com os entes queridos domiciliados no Além;
a seara da esperança;
o clima da verdadeira compreensão humana;
o lar da fraternidade entre todas as criaturas;
a escola do Conhecimento Superior, desvendando as trilhas da evolução e a multiplicidade das “moradas” nos domínios do Universo.
Jesus – o amor.
Kardec – o raciocínio.
Jesus – o Mestre.
Kardec – o Apóstolo.
Seguir o Cristo de Deus, com a luz que Allan Kardec acende em nossos corações, é a norma renovadora que nos fará alcançar a sublimação do próprio espírito, em louvor da Vida Maior.
(“Doutrina De Luz” de F C Xavier e Emmanuel)

KARDEC  E  A  ESPIRITUALIDADE
Emmanuel 
Todas as missões dignificadoras dos grandes vultos humanos são tarefas do Espírito. Precisamos compreender a santidade do esforço de um Edson, desenvolvendo as comodidades da civilização, o elevado alcance das experiências de um Marconi, estreitando os laços da fraternidade, através da radiotelefonia. Apreciando, porém, o labor da inteligência humano, é obrigados a reconhecer que nem todas essas missões têm naturalmente uma repercussão imediata e grandiosa no Mundo dos Espíritos.
 Daí a razão de examinarmos o traço essencial do trabalho confiado a Allan Kardec. Suas atividades requisitaram a atenção do planeta e, simultaneamente, repercutiram nas esferas espirituais, onde formaram legiões de colaboradores, em seu favor.
 Sua tarefa revelava ao homem um mundo diferente. A morte, o problema milenário das criaturas, perdia sua feição de esfinge. Outras vozes falavam da vida, além dos sepulcros. Seu esforço espalhava-se pelo orbe como a mais consoladora das filosofias; por isso mesmo, difundia-se, no plano invisível, como vasto movimento de interesses divinos.
 Ninguém poderá afirmar que Kardec fosse o autor do Espiritismo. Este é de todos os tempos e situações da humanidade. Entretanto, é ele o missionário da renovação cristã. Com esse título, conquistado a peso de profundos sacrifícios, cooperou com Jesus para que o mundo não morresse desesperado. E, contribuindo com a sua coragem, desde o primeiro dia de labor, organizaram-se nos círculos da espiritualidade os mais largos movimentos de cooperação e de auxílio ao seu esforço superior.
 Legiões de amigos generosos da humanidade alistaram-se sob a sua bandeira cooperando na causa imortal. Atrás de seus passos, movimentou-se um mundo mais elevado, abriram-se portas desconhecidas dos homens, para que a ciência e a fé iniciassem a marcha da suprema união, em Jesus Cristo.
Não somente o orbe terrestre foi beneficiado. Não apenas os homens ganharam esperanças. O mundo invisível alcançou, igualmente, consolo e compreensão.
 Os vícios da educação religiosa prejudicaram as noções da criatura, relativamente ao problema da alma desencarnada. As idéias de um céu injustificável e de um inferno terrível formaram a concepção do espírito liberto, como sendo um ser esquecido da Terra, onde amou, lutou e sofreu.
Semelhante convicção contrariava o espírito de seqüência da natureza. Quem atendeu as determinações da morte, naturalmente, continua, além, suas lutas e tarefas, no caminho evolutivo, infinito. Quem sonhou, esperou, combateu e torturou-se não foi a carne, reduzida à condição de vestido, mas a alma, senhora da Vida Imortal.
 Essa realidade fornece uma expressão do grandioso alcance  “da missão de Allan Kardec”, considerada no Plano Espiritual.
É justo o reconhecimento dos homens e não menos justo o nosso agradecimento aos seus sacrifícios “de missionário”, ainda porque apreciamos a atividade de um apóstolo sempre vivo.
Que Deus o abençoe.
O Evangelho nos fala que os anjos se regozijam quando se arrepende um pecador. E a tarefa santificada de Allan Kardec tem consolado e convertido milhares de  pecadores, neste mundo e no outro.
(“Doutrina De Luz” de F C Xavier e Emmanuel)

SAUDANDO  ALLAN  KARDEC
Emmanuel
“Quando vier, porém, o Espírito da Verdade, ele vos guiará em toda a Verdade”... Jesus – João: 16-13.

Não ignorava Jesus que a Sua Mensagem padeceria o assalto das trevas.
Sabia que ao contato da poeira terrestre, converter-se-ia a fonte da sublime revelação em viciada corrente.
 Não desconhecia que os homens se Lhe apropriariam do verbo santificante para situá-lo a serviço de paixões subalternas.
Anteviu as multidões enganadas e sofredoras, para as quais não mais se multiplicaria o pão do amor puro, confundidas pela penúria e pela discórdia.
 Ele que rogara: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, pressentia as guerras de ódio que se desencadeariam na Terra, em nome do Evangelho Renovador. E Ele que ensinara: “Perdoai setenta vezes sete”, adivinhava que os homens acenderiam fogueiras de perseguição, trucidando-se reciprocamente, acreditando exaltar-Lhe a memória.
 Quase ao despedir-se dos companheiros simples e fervorosos que o seguiriam mais tarde até à dilaceração e ao sacrifício, percebeu que os cérebros vigorosos da sombra viriam nos passos do tempo senhorear-Lhe o rebanho de corações singelos, estabelecendo entre eles dolorosa escravidão espiritual.
 Previu que o nevoeiro da perturbação humana Lhe abafaria transitoriamente a Sementeira Divina e que, um dia, em Seu Nome, o forte oprimiria o fraco e o fraco revoltar-se-ia contra o forte, que muitos dos melhores trabalhadores do mundo coroar-se-iam de vaidade, à frente dos infelizes, e que os infelizes, sem exemplo para a regeneração necessária, desmandar-se-iam na loucura e na delinqüência.
 Foi por isso que, em marcha inquietante para o supremo testemunho de lealdade a Deus, apiedou-se de quantos Lhe estenderiam a Obra de Redenção e prometeu-lhes a vinda do Consolador – O Espírito da Verdade – que Lhe restabeleceria a esperança e aclararia a palavra.
 Dezenove séculos caíram na cinza das horas e, fiel ao compromisso assumido, enviou Jesus à Terra o Explicador Anunciado na Doutrina Espírita, cuja bandeira libertadora vem partindo as algemas da incompreensão e do fanatismo no campo da Humanidade.
 Eis porque, diante do primeiro centenário de “O Livros dos Espíritos”,  a chave sublime do Cristianismo Restaurado, reverenciamos Allan Kardec, o Apóstolo da Verdade e Mensageiro da Luz.
(“Doutrina De Luz” de F C Xavier e Emmanuel)

12.          Doutrina-Escola capítulos  1 e 5;

o  primeiro  capítulo
Irmão X
Allan Kardec, o respeitável professor Donizard Rivail, já havia organizado extensa porção das páginas reveladoras que constituem O Livro dos Espíritos.
Devotado observador, aliara inteligência e carinho, método e bom senso na formação da primeira obra que lançaria os fundamentos da Doutrina Espírita.
Não desconhecia que a sobrevivência da alma era tema empolgante no século. Entretanto, apontamentos e experimentações, em torno do assunto, alinhavam-se desordenados e nebulosos. Os fenômenos do intercâmbio, pareciam ameaçados pela hipertrofia de espetaculosidade.
Saindo de humilde vilarejo da América do Norte, a comunicação com  os Espíritos desencarnados atingira os mais cultos ambientes da Europa, originando infrutífero sensacionalismo. Era necessário surgisse alguém com bastante coragem para extrair do labirinto a linha básica da filosofia consoladoras que os fatos consubstanciavam, irrefutáveis e abundantes.
Advertido por amigos da Espiritualidade de que a ele se atribuía, em nome do Senhor, a elevada missão de codificar os princípios espíritas, destinados à mais ampla reforma religiosa, pusera mãos ao trabalho, sem cogitar de sacrifícios. E adotando o sistema de perguntas e respostas, conseguiria vasta colheita de esclarecimento e de luz.
Guardava consigo preciosas anotações acerca da constituição geral do Universo, surpreendente informes sobre a vida de além-túmulo e belas asserções definindo as leis morais que orientam a Humanidade.
O material esparso equivalia quase que praticamente ao livro pronto. Contudo, era preciso estabelecer um ponto de partida. O primeiro compêndio do Espiritismo, endereçado ao presente ao  futuro, não podia prescindir de sólidos alicerces.
E, debruçado sobre a mesa de trabalho, em nevada noite do inverno de 1856, o Codificador interrogava a si mesmo: - Por onde começar? Pelas conclusões científicas ou pelas indagações filosóficas? Seria justo desligar a Doutrina, que vinha consagrar o antigo ensinamento do Cristo, de todo e qualquer apoio da fé, na construção das bases que lhe diziam respeito?
O conhecimento humano!... - pensava ele – não se modificava o conhecimento humano todos os dias?... As  ilações filosófico-científicas não eram as mesmas em todos os séculos... E valeria escravizar o Espiritismo à exaltação do cérebro, em prejuízo do sentimento?
Atormentado, via mentalmente os homens de seu tempo e de sua pátria extraviados na sombra do materialismo demolidor...
A grande revolução que pretendera entronizar os direitos do Homem ainda estava presente no ar que ele respirava. Desde 2 de Dezembro de 1851, o governo de Luis Napoleão, que retomava as linhas do Império, permitia prisões em massa, com deliberada perseguição aos elementos de todas as classes sociais que não aplaudissem os planos do poder. Muitos membros da Assembléia haviam sofrido banimento e mais de vinte mil franceses jaziam deportados,  muitos deles sem qualquer razão justa. Homens dignos eram enviados a regiões inóspitas, quando não eram confiados, no cárcere, à morte lenta.
O pensamento do missionário foi mais longe... Recordou-se de Voltaire e Rousseau, admiráveis condutores da inteligência, mas também precursores da ironia e do terror. Lembrou Condorcet, o filósofo e matemático, envenenando-se para escapar à guilhotina, e Marat, o médico e publicista, assassinado num banho de sangue, quando instigava a matança e a destruição.
Valeria a cultura da inteligência, só por si, quando, a par dos bens que espalhava, podia desmandar-se em sarcasmo arrasador e loucura furiosa?
Com o respeito que ele consagrava incondicionalmente à Ciência e à Filosofia, Kardec orou com todo o coração, suplicando a inspiração do Alto. Erguia-se-lhe a prece comovente, quando raios de amor lhe envolveram o espírito inquieto e ele ouviu, na acústica da própria alma, vigoroso apelo íntimo: - “Não menosprezes a fé!... Não comeces a obra redentora sem a Bênção Divina!...”.
E o Codificador, nimbado de luz, com a emotividade jubilosa de quem por fim encontrara solução o terrível problema, longamente sofrido, consagrou o primeiro capítulo de O Livro dos espíritos à existência de Deus.
(“Doutrina Escola” de F C Xavier e espíritos diversos)

LEMBRANDO  ALLAN  KARDEC
Irmão X
Depois de se dirigir aos numerosos missionários da Ciência e da Filosofia, destinados à renovação do pensamento do mundo no século XIX; o Mestre aproximou-se do abnegado João Huss e falou, generosamente:
-Não serás portador de invenções novas, não te deterás no problema de comodidade material à civilização, nem receberás a mordomia do dinheiro ou da autoridade temporal, mas deponho-te nas mãos a tarefa sublime de levantar corações e consciências.
A assembléia de orientadores das atividades terrestres estava comovida. E ao passo que o antigo campeão da verdade e do bem se sentia alarmado de santas comoções, Jesus continuava.
-Preparam-se os círculos da vida planetária a grandes transformações nos domínios do pensamento. Imenso número de trabalhadores no mundo, desprezando o sentido evolucionário da vida, crê na revolução e nos seus princípios destruidores, organizando-lhe movimentos homicidas. Em breve, não obstante nossa assistência desvelada, que neutralizará os desastres maiores, a miséria e o morticínio se levantarão no seio de coletividades invigilantes. A tirania campeará na Terra, em nome da liberdade, cabeças rolarão nas praças públicas em nome da paz, como se o direito e a independência fossem frutos da opressão e da morte. Alguns condutores do pensamento, desvairados de personalismo destruidor, convertem a época de transição do orbe em turbilhão revolucionário, envenenando o espírito dos povos. O sacerdócio organizado em bases econômicas não pode impedir catástrofe. A Filosofia e a Ciência intoxicaram as próprias fontes de ação e conhecimento!...
É indispensável estabelecer providências que amparem a fé, preservando os tesouros religiosos da criatura. Confiante a sublime tarefa de reacender as lâmpadas da esperança no coração da humanidade.
O Evangelho do Amor permanece eclipsado no jogo de ambições desmedidas dos homens viciosos!... Vai, meu amigo. Abrirás novos caminhos à sagrada aspiração das almas, descerrando a pesada cortina de sombras que vem absorvendo a mente humana. Na restauração da verdade, no entanto, não esperes os louros do mundo, nem a compreensão de teus contemporâneos.
Meus enviados não nascem na Terra para serem servidos, mas por atenderem às necessidades das criaturas. Não recebem palmas e homenagens, facilidades e vantagens terrestres, contudo, minha paz os fortalece e levanta-os, cada dia... Muitas vezes, não conhecem senão a dificuldade, o obstáculo, o infortúnio, e não encontram outro refúgio além do deserto. É preciso, porém, erigir o santuário da fé e caminhar sem repouso, apesar de perseguições, perdidas, cruzes e lágrimas!...
Ante a emoção dos trabalhadores do progresso cultural do orbe terrestre, o abnegado João Huss recebeu, a elevada missão que lhe era conferida, revelando a nobreza do servo fiel, entre júbilos de reconhecimento.
Daí a algum tempo, no albor do século XIX, nascia Allan Kardec em Lyon, por trazer a divina mensagem.
Espírito devotado, jamais olvidou o compromisso sublime. Não encontrou escolas de preparação espiritual, mas nunca menosprezou o manancial de recursos que trazia em si mesmo. E, como se quisera demonstrar que as fontes do profetismo devem manar de todas as regiões da vida para sustentáculo e iluminação do espírito eterno, embora no quadro dos grandes homens do pensamento, estimou desferir os primeiros vôos de sua missão divina na zona comum onde permanece a generalidade das criaturas. Consoante a previsão do Cristo, a Revolução Francesa preparara com sangue o império das guerras napoleônicas.
Enquanto os operários da cultura moderna lançavam novas bases ao edifício do progresso mundial, o grande missionário, sem qualquer preocupação de recompensa ou exibicionismo, dá cumprimento à tarefa sublime. E foi assim que o século XIX, que recebeu a navegação a vapor, a locomotiva, a eletrotipia, o telégrafo, o telefone, a fotografia, o cabo submarino, a anestesia, a turbina a vapor, o fonógrafo, a máquina de escrever, a luz elétrica, o sismógrafo, a linotipo, o radium, o cinematógrafo e o automóvel, tornou-se receptor da Divina Luz da revivescência do Evangelho.
O discípulo dedicado rasgou os horizontes estreitos do ceticismo e o plano invisível encontrou novo canal a fim de projetar-se no mundo, atenuando-lhe as sombras densas e renovando as bases da fé.
Alguns dos companheiros de luta espiritual, embora em seguida às hostilidades do meio, recebiam aplausos do mundo e proteção de governos prestigiosos, mas emissário de Jesus, no deserto das grandes cidades, trabalhava em silÊncio, suportando calúnias e zombarias, vencendo dificuldades e incompreensões.
Ao fim da laboriosa tarefa, o trabalhador fiel triunfara.
Em breve, a doutrina consoladora dos Espíritos iluminava corações e consciências, nos mais diversos pontos do globo.
É que Allan Kardec, se viera dos círculos mais elevados dos processos educativos do mundo, não esquecera a necessidade de sabedoria espiritual. Discípulo eminente de professores consagrados, como Pestalozzi, não esqueceu a ascendência do Cristo. Trabalhador no serviço da redenção, compreendeu que não viera à Terra por atender a caprichos individuais e sim aos poderes superiores da vida.
Sua exemplificação é um programa e um símbolo. Conquistando a auréola dos missionários vitoriosos, não se incorporou à galeria dos grandes do mundo, por que apenas indicasse o caminho salvador à humanidade terrestre.
Allan Kardec não somente pregou a doutrina consoladora; viveu-ª Não foi um simples codificador de princípios, mas um fiel servidor de Jesus e dos homens.
(Mensagem recebida em 22.9.42. Lida aos 3.10.1942, durante a 3a. Concentração Espírita de São Paulo, no Ginásio do Pacaembu).
(“Doutrina Escola” de F C Xavier e espíritos diversos)

13.          Doutrina e Vida, capítulos 1, 7, 12, 15, 17, 19;

EM  HONRA  A   KARDEC
Emmanuel
Na Doutrina Espírita, não se dirá que Allan Kardec foi ultrapassado, de vez que os nossos princípios avançam com o fluxo evolutivo da própria vida e, à maneira da árvore que para mostrar a excelência do fruto não dispensa a raiz, tanto quanto o edifício vulgar para crescer em nova pavimentação não prescinde do alicerce, o Espiritismo não fugirá das diretrizes primeiras, a fim de ampliar-se em construções mais elevadas, com a segurança precisa.
     Superam-se técnicas e processos de luta material.
    A revelação Divina, porém, desenvolve-se com a própria alma do homem, porque a Infinita Sabedoria não nos esmaga com sua Grandeza, nem nos enceguece com a sua Luz, esperando que nós mesmos, ao preço de esforço e trabalho, na escola do progresso, nos habilitemos a suportar o conhecimento superior, estendendo-lhe a claridade e realizando-lhe os objetivos.
     Em razão disso, foi o próprio Codificador quem definiu em nossa Doutrina um templo de postulados que a evolução se encobriria de honorificar em constante expansão, pela plasmando não apenas o altar da fé renovadora que nos religa ao Cristo de Deus, mas também o acesso ao campo aberto da indagação filosófica e científica, para que não estejamos confinados ao dogmatismo enregelante e destruidor. 
     Não edificaremos por nossa vez, no santuário espírita, senão aquele desdobramento necessário a todo serviço de luz e fraternidade, que iniciado a benefício das criaturas, a todas elas deve atingir no justo momento em obediência às leis da evolução, de que Kardec foi emérito defensor.
     Cabe-nos hoje tanto quanto ontem, estudar-lhe a obra regeneradora e vitalizante, a fim de que não nos percamos à distância da lógica e da simplicidade que lhe ditaram o ensinamento, e não nos empenharemos no cipoal da inutilidade ou da sombra porquanto, nele, o apóstolo do princípio,
encontramos o roteiro seguro para a integração com Jesus, Nosso Mestre e Senhor.
(“Doutrina e Vida” de F C Xavier e espíritos diversos)

VIVER  KARDEC
Bezerra de Menezes
     Allan Kardec
     Nos estudos,
     Nas cogitações,
     Nas atividades,
     Nas obras
     A fim de que a nossa fé não se faça hipnose, pela qual o domínio da sombra se estabelece sobre as mentes mais frágeis, acorrentando-as a séculos de ilusão e sofrimento.
     Seja Allan Kardec:
     Não apenas crido ou sentido,
     Apregoado ou manifestado à nossa bandeira de fé,
     Mas, suficientemente:
     Vivido
     Sofrido
     Chorado
e realizado em nossas próprias vidas.
     Sem essa base é difícil forjar o caráter espirita-cristão que o mundo espera de nós através de nossa própria unidade.
(“Doutrina e Vida” de F C Xavier e espíritos diversos)

KARDEC  NO  SÉCULO  XIX
Amaral  Ornellas
Chora a Terra infeliz de peito aberto em chaga.
A Dúvida, o Terror, a Guerra e a Guilhotina
Inda espalham, gritando, a treva que domina
E o suor da aflição que tudo atine e alaga...
Desvairada na sombra, a Razão desatina,
Nega a Filosofia...a Ciência divaga...
E a fé perde a visão como a luz que se apaga,
Entre a maldade humana e a bondade divina.
É a noite que se alonga ao temporal violento,
É a loucura, a miséria e a dor do pensamento
E, em toda a parte, o mundo é pávida cratera!..
Mas Kardec é chamado ao torvelinho insano
E, revivendo a luz do Cristo Soberano,
Acende no horizonte o Sol da Nova Era!.
(“Doutrina e Vida” de F C Xavier e espíritos diversos)

HOMENAGEM  A  KARDEC
Amaral Ornellas
Trouxeste, Allan Kardec, à longa noite humana
O Cristo em nova luz – revivescida aurora!-
E onde estejas serás, eternidade afora,
A verdade sublime em que o mundo se irmana.
Em teu verbo solar, a justiça se ufana
De aclarar, consolando, o coração que chora,
A fé brilha, o bem salva, a estrada se aprimora
E a vida, além da morte, esplende soberana!...
Escuta a gratidão da Terra... Em toda parte,
A alma do povo freme e canta ao relembrar-te
A presença estelar e a serena vitória.
Gênio, serviste! Herói, exterminaste as trevas!...
Recebe com Jesus, na benção a que te elevas,
Nosso preito de amor nos tributos da Historia.
(“Doutrina e Vida” de F C Xavier e espíritos diversos)

O  BARCO  E  A  ROTA
Bezerra de Menezes
Meu filho, o Senhor nos inspire.
O barco prossegue na rota certa:
Cristo e Kardec.
A porta e a chave.
O ensino e a experiência.
Continuidade – a nossa legenda.
Estudo de Allan Kardec.
Compreensão de Allan Kardec,
Divulgação de Allan Kardec.
Vivência de Allan Kardec.
Fé raciocinada, de coração renovado no amor.
Trabalho, Solidariedade e
Tolerância no programa Sublime.
Fora da Caridade não há salvação.
Confiemo-nos ao Senhor,
Trabalhando sempre.
(“Doutrina e Vida” de F C Xavier e espíritos diversos)

14.          O Espírito da Verdade, capítulo 52;

HÁ  UM  SÉCULO
Hilário Silva (Cap. XXV - Item 2 – ESSE)
I
Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, naquela triste manhã de abril de 1860, estava exausto, acabrunhado.
Fazia frio.
Muito embora a consolidação da Sociedade Espírita de Paris e a promissora venda de livros, escasseava o dinheiro para a obra gigantesca que os Espíritos Superiores lhe haviam colocado nas mãos.
A pressão aumentava...
Missivas sarcásticas avolumavam-se à mesa.
Quando mais desalentado se mostrava, chega a paciente esposa, Madame Rivail - a doce Gaby -, a entregar-lhe certa encomenda, cuidadosamente apresentada.
II
O professor abriu o embrulho, encontrando uma carta singela. E leu:

"SR. Allan Kardec:
Respeitoso abraço.

Com a minha gratidão, remeto-lhe o livro anexo, bem como a sua história, rogando-lhe, antes de tudo, prosseguir em suas tarefas de esclarecimento da Humanidade, pois tenho fortes razões para isso.
Sou encadernador desde a meninice, trabalhando em grande casa desta capital.
Há cerca de dois anos casei-me com aquela que se revelou minha companheira ideal. Nossa vida corria normalmente e tudo era alegria e esperança, quando, no início deste ano, de modo inesperado, minha Antoinette partiu desta vida, levada por sorrateira moléstia.
Meu desespero foi indescritível e julguei-me condenado ao desamparo extremo.
Sem confiança em Deus, sentindo as necessidades do homem do mundo e vivendo com as dúvidas aflitivas de nosso século, resolvera seguir o caminho de tantos outros, ante a fatalidade. ..
A prova da separação vencera-me, e eu não passava, agora, de trapo humano.
Faltava ao trabalho e meu chefe, reto e ríspido, ameaçava-me com a dispensa.
Minhas forças fugiam.
Namorara diversas vezes o Sena e acabei planeando o suicídio. "Seria fácil, não sei nadar" — pensava.
Sucediam-se noites de insônia e dias de angústia. Em madrugada fria, quando as preocupações e o desânimo me dominaram mais fortemente, busquei a Ponte Marie.
Olhei em torno, contemplando a corrente.. .
E, ao fixar a mão direita para atirar-me, toquei um objeto algo molhado que se deslocou da amurada, caindo-me aos pés.
Surpreendido, distingui um livro que o orvalho umedecera.
Tomei o volume nas mãos e, procurando a luz mortiça de poste vizinho, pude ler, logo no frontispício, entre irritado e curioso:
"Esta obra salvou-me a vida. Leia-a com atenção e tenha bom proveito. — A. Laurent."
Estupefato, li a obra — "O Livro dos Espíritos" — ao qual acrescentei breve mensagem, volume esse que passo às suas mãos abnegadas, autorizando o distinto amigo a fazer dele o que lhe aprouver."

Ainda constavam da mensagem agradecimentos finais, a assinatura, a data e o endereço do remetente.
O Codificador desempacotou, então, um exemplar de "O Livro dos Espíritos" ricamente encadernado, em cuja capa viu as iniciais do seu pseudônimo e na página do frontispício, levemente manchada, leu com emoção não somente a observação a que o missivista se referira, mas também outra, em letra firme:

"Salvou-me também. Deus abençoe as almas que cooperaram em sua publicação. — Joseph Perrier."
III
Após a leitura da carta providencial, o Professor Rivail experimentou nova luz a banhá-lo por dentro...
Conchegando o livro ao peito, raciocinava, não mais em termos de desânimo ou sofrimento, mas sim na pauta de radiosa esperança.
Era preciso continuar, desculpar as injúrias, abraçar o sacrifício e desconhecer as pedradas...
Diante de seu espírito turbilhonava o mundo necessitado de renovação e consolo. Allan Kardec levantou-se da velha poltrona, abriu a janela à sua frente, contemplando a via pública, onde passavam operários e mulheres do povo, crianças e velhinhos...
O notável obreiro da Grande Revelação respirou a longos haustos, e, antes de retomar a caneta para o serviço costumeiro, levou o lenço aos olhos e limpou uma lágrima...
(“O Espírito da Verdade” d F C Xavier, W Vieira e espíritos diversos)

15.          Fonte de Paz, capítulo 16 e 19;

EM  HOMENAGEM  A  KARDEC

Amaral Ornellas
A Cultura atingira o apogeu da descrença,
Imergira-se o Templo em fumo de vanglória
E, embora fosse o Cristo a eterna luz da História,
Afligia-se a Terra em sombra espessa e imensa.
A Civilização padecia a presença
De soberano caos em púrpura irrisória,
Sob a pompa do verbo esfervilhava a escória
Da cegueira e do escárnio a erguer-se em treva densa.
Mas Kardec domina a enorme noite humana
E traz no Espiritismo a Fé que se engalana,
Ao fulgor da Razão generosa e sincera...
O Evangelho ressurge. O Céu brilha de novo.
E Jesus, retornado ao coração do povo,
Acende para o mundo o Sol da Nova Era.
(“Fonte de Paz” de F C Xavier e espíritos diversos)

SENTIR  KARDEC

Emmanuel
Lembrando o Codificador da Doutrina Espírita, é imperioso estejamos alertas em nossos deveres fundamentais.
Convençamo-nos de que é necessário:
Sentir Kardec;
Estudar Kardec;
Anotar Kardec;
Meditar Kardec;
Analisar Kardec;
Comentar Kardec;
Interpretar Kardec;
Cultivar Kardec;
Ensinar Kardec e
Divulgar Kardec...
Que é preciso cristianizar a Humanidade é afirmação que não padece dúvida, entretanto, cristianizar, na Doutrina Espírita, é raciocinar com a verdade e construir com o bem de todos, para que, em nome de Jesus, não venhamos a fazer sobre a Terra mais um sistema de fanatismo e de negação.
(“Fonte de Paz” de F C Xavier e espíritos diversos) 

16.          Histórias e Anotações, capítulo 12;

KARDEC,  OBRIGADO
Irmão X
Kardec, enquanto recebes as homenagens do mundo, pedimos vênia para associar nosso preito singelo de amor aos cânticos de reconhecimento que te exaltam a obra gigantesca ns domínios da libertação espiritual.
Não nos referimos aqui ao professor emérito que foste, mas ao discípulo de Jesus que possibilitou o levantamento das bases do Espiritismo Cristão, cuja estrutura desafia a passagem do tempo.
Falem outros dos títulos de cultura que te exornavam a personalidade, do prestígio que desfrutavas na esfera da inteligência, do brilho de tua presença nos fastos sociais, da glória que te ilustrava o nome, de vez que todas as referências à tua dignidade pessoal nunca dirão integralmente o exato valor de teus créditos humanos.
Reportar-nos-emos ao amigo fiel do Cristo e da Humanidade, em agradecimento pela coragem e abnegação com que te esqueceste para entregar ao mundo a mensagem da Espiritualidade Superior. E, rememorando o clima de inquietações e dificuldades em que, a fim de reacender a luz do Evangelho, superaste injúria e sarcasmo, perseguição e calúnia, desejamos expressar-te o carinho e a gratidão de quantos edificaste para a fé na imortalidade e na sabedoria da vida.
O Senhor te engrandeça por todos aqueles que emancipaste das trevas e te faça bendito pelos que se renovaram perante o destino à força de teu verbo e de teu exemplo!...
Diante de ti, enfileiram-se, agradecidos e reverentes, os que arrebataste à loucura e ao suicídio com o facho da esperança; os que arrancaste ao labirinto da obsessão com o esclarecimento salvador; os pais desditosos que se viram atormentados por filhos insensíveis e delinqüentes, e os filhos agoniados que se encontraram na vala da frustração e do abandono pela irresponsabilidade dos pais em desequilíbrio e que foram reajustados por teus ensinamentos, em torno da reencarnação; os que renasceram em dolorosos conflitos da alma e se reconheceram, por isso, esmagados de angústia nas brenhas da provação, e os quais livraste da demência, apontando-lhes as vidas sucessivas; os que se acharam arrasados de pranto, tateando a lousa na procura dos entes queridos que a morte lhes furtou dos braços ansiosos, e aos quais abriste os horizontes da sobrevivência, insuflando-lhes renovação e paz, na contemplação do futuro; os que soergueste do chão pantanoso do tédio e do desalento, conferindo-lhes, de novo, o anseio de trabalhar e a alegria de viver; os que aprenderam contigo o perdão das ofensas e abençoaram, em prece, aqueles mesmos companheiros da Humanidade que lhes apunhalaram o espírito, a golpes de insulto e de ingratidão; os que te ouviram a palavra fraterna e aceitaram com humildade a injúria e a dor por instrumento de redenção; e os que desencarnaram incompreendidos ou acusados sem crime, abrançando-te as páginas consoladoras que molharam cm as próprias lágrimas...
Todos nós, o que levantaste do pó da inutilidade ou do fel do desencanto para as bênçãos da vida, estamos também diante de ti!... E, identificando-nos na condição dos teus mais apagados admiradores e com os últimos dos teus mais pobres amigos, comovidamente, em tua festa, nós te rogamos permissão para dizer: “Kardec, obrigado!... Muito obrigado!”...
(página recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em homenagem, ao aniversário de Allan Kardec)
(“Histórias e Anotações” de F C Xavier e Irmão X)

17.          Instruções Psicofônicas capítulo 55;

LEMBRANDO  ALLAN  KARDEC
Leopoldo Cirne  
(Na noite de 31 de março de 1955, na parte final de nossas tarefas, a instrumentação mediúnica foi ocupada pelo Espírito Leopoldo Cirne, o grande paladino do Espiritismo no Brasil, que, com fervoroso entusiasmo, exaltou a imorredoura figura do Codificador de nossa Doutrina.
Relembrando Allan Kardec, Cirne convida-nos, a todos nós que integramos a comunidade espírita, ao estudo metódico das obras kardequianas, que sintetizam o roteiro das verdades eternas.)

Meus amigos, seja conosco a paz do Senhor Jesus.
Celebrando hoje a coletividade espírita o octogésimo sexto aniversário da desencarnação de Allan Kardec, será justo erguer um pensamento de carinho e gratidão, em homenagem ao Codificador de nossa Doutrina, cujo apostolado nos religou ao Cristianismo simples e puro, descortinando amplos rumos ao progresso da Humanidade.
Recordando-lhe a memória, não refletimos apenas no alvião renovador que a sua obra representa na desintegração dos quistos dogmáticos que se haviam formado no mundo pelos absurdos afirmativos da religião e pelos absurdos negativos da ciência, mas, também, na luz de esperança que o seu ministério vem constituindo, há quase um século, para milhões de al- mas que vagueavam perdidas nas trevas do materialismo, entre o desânimo e a desespera- cão.
O Espiritismo marcha vitoriosamente na Terra, traçando normas evolutivas e colaborando, por isso na edificação do mundo novo; entretanto, nas elevadas realizações com que se exorna, particularmente em nosso vasto setor de ação no Brasil, é imperioso não esquecer o  apóstolo que, muitas vezes, entre a hostilidade e a incompreensão, batalhou e sacrificou-se para ser fiel ao seu augusto destino.
Saudando-lhe a missão venerável, pedimos vênia para sugerir, por vosso intermédio, a  todos os cultivadores de nosso ideal, localizados em nossas múltiplas arregimentações doutrinárias, a criação de núcleos de estudo das lições basilares da Codificação, com o aproveita- mento dos companheiros mais entusiastas, sinceros e responsáveis em nosso movimento libertador, a fim de que as atividades tumultuárias, seja na composição do proselitismo ou no socorro às necessidades populares, não abafem a voz clara e orientadora do princípio.
Na distância de oitenta e seis quilômetros, além do nascedouro, a fonte estará inevitável- mente contaminada pelos elementos estranhos que se lhe agregam ao corpo móvel.
Não nos descuidemos, assim, da corrente cristalina do manancial de nossas diretrizes, incluindo cursos de análise e meditação dos livros kardequianos para todos os aprendizes de boa-vontade.
 Estudemos e trabalhemos, amemo-nos e instruamo-nos, para melhorar a nós mesmos e para soerguer a vida que estua, soberana, junto de nós.
A obra gloriosa do Codificador trouxe, como sagrado objetivo, a recuperação do amor e da sabedoria, da fraternidade e da justiça, da ordem e do trabalho, entre os homens, para a redenção do mundo.
Não lhe olvidemos, pois, a salvadora luz e, acendendo-a em nosso próprio espírito, repitamos reconhecidamente:
 -- Salve Allan Kardec!  
(“Instruções Psicofônicas” de F C Xavier e espíritos diversos)

18.          Irmãos Unidos, “Perante Allan Kardec”;

PERANTE  ALLAN  KARDEC
Emmanuel
Disse o Cristo: “Há muitas moradas na casa do Pai:’”
Sem Allan Kardec não perceberíamos que o Mestre relaciona os mundos que enxameiam na imensidade cósmica, a valerem por escolas de experiência, nos objetivos da ascensão espiritual.
Disse o Cristo: “Necessário é nascer de novo.”
Sem Allan Kardec, não saberíamos que o Sublime Instrutor não se refere à mudança íntima da criatura, nos grandes momentos da curta existência física, e sim à lei da reencarnação.
Disse o Cristo: “Se a tua mão te escandaliza corta-a; ser-te-á melhor entrar na vida aleijado que, tendo duas mãos, ires para o inferno.”
Sem Allan Kardec, não concluiríamos que o Excelso Orientador se reporta às grandes resoluções da alma culpada, antes do renascimento no berço humano, com vistas à regeneração necessária, de modo a não tombar no sofrimento maior, em regiões inferiores ao planeta terrestre.
Disse o Cristo: “Quem vier a mim e não deixar pai e mãe, filhos e irmãos, não pode ser meu discípulo.”
Sem Allan Kardec, não reconheceríamos que o Divino Benfeitor não nos solicita a deserção dos compromissos para com os entes amados e sim nos convida a renunciar ao prazer de sermos entendidos e seguidos por eles, de imediato, sustentando, ainda, a obrigação de compreendê-los e servi-los por nossa vez.
Disse o Cristo: “Perdoai não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.”
Sem Allan Kardec, não aprenderíamos que o Mestre não nos inclina à falsa superioridade daqueles que anelam o reino dos céus tão somente para si próprios, e sim nos faz sentir que o perdão é dever puro e simples, a fim de não cairmos indefinidamente nas grilhetas do mal.
Disse o Cristo: “Conhecereis a verdade e a verdade vos fará livres.”
Sem Allan Kardec, desconheceríamos que o raciocínio não pode ser alienado em assuntos da fé e que a religião deve ser sentida e praticada, estudada e pesquisada, para que não venhamos a converter o Evangelho em museu de fanatismo e superstição.
Cristo revela.
Kardec descortina.
Diante, assim, do Três de Outubro que nos recorda o natalício do Codificador, enderecemos a ele, onde estiver, o nosso preito de reconhecimento e de amor, porquanto todos encontramos em Allan Kardec o inolvidável paladino de nossa libertação.
(“Irmãos Unidos” de F C Xavier e espíritos diversos)

19.          Opinião Espírita capítulo 2;

O  MESTRE  E   O  APÓSTOLO
 E - Cap. 1 - Item 7
Luminosa, a coerência entre o Cristo e o Apóstolo que lhe restaurou a palavra.
Jesus, o Mestre.
Kardec, o professor.
Jesus refere-se a Deus, junto da fé sem obras.
Kardec fala de Deus, rente às obras sem fé.
Jesus é combatido, desde a primeira hora do Evangelho, pelos que se acomodam na sombra.
Kardec é impugnado desde o primeiro dia do Espiritismo, pelos que fogem da luz.
Jesus caminha sem convenções.
Kardec age sem preconceitos.
Jesus exige coragem de atitudes
Kardec reclama independência mental.
Jesus convida ao amor.
Kardec impele à caridade.
Jesus consola a multidão.
Kardec esclarece o povo.
Jesus acorda o sentimento.
Kardec desperta a razão.
Jesus constrói
Kardec consolida.
Jesus revela.
Kardec descortina.
Jesus propõe.
Kardec expõe.
Jesus lança as bases do Cristianismo, entre fenômenos mediúnicos.
Kardec recebe os princípios da Doutrina Espírita, através da mediunidade.
Jesus afirma que é preciso nascer de novo.
Kardec explica a reencarnação.
Jesus reporta-se a outras moradas.
Kardec menciona outros mundos.
Jesus espera que a verdade emancipe os homens; ensina que a justiça atribui a cada um pela próprias obras e anuncia que o Criador será adorado, na Terra, em espírito.
Kardec esculpe na consciência as leis do Universo.
Em suma, diante do acesso aos mais altos valores da vida,Jesus e Kardec estão perfeitamente conjugados pela Sabedoria Divina.
Jesus, a porta.
Kardec, a chave.
(“Opinião Espírita”, de F C Xavier e W Vieira, Espíritos Emmanuel e André Luiz)


20.          Trevo de Idéias, “Jesus e Kardec”;

JESUS  E  KARDEC

 Emmanuel
Ante a Revelação Divina, assevera Jesus:
- “Eu não vim destruir a Lei.”
E reafirma Allan Kardec:
- “Também o Espiritismo diz: - não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe execução.”
Perante a grandeza da vida, exclama o Divino Mestre:
- “Há muitas moradas na casa de meu Pai.”
E Allan Kardec acentua:
- “A casa do Pai é o Universo. As diferentes moradas são os mundos que circulam no espaço infinito e oferecem aos Espíritos, que neles reencarnam, moradas correspondentes ao adiantamento que lhes é próprio.”
Exalçando a lei de amor que rege o destino de todas as criaturas, advertiu-nos o Senhor:
- “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.”
E Allan Kardec proclama:
- “Fora da caridade não há salvação.”
Destacando a necessidade de progresso para o conhecimento e para a virtude, recomenda o Cristo:
- “Não oculteis a candeia sob o alqueire.”
E Allan Kardec acrescenta:
- “Para ser proveitosa, tem a fé que ser ativa; não deve entorpecer-se.”
Encarecendo o imperativo do esforço próprio, sentencia o Senhor:
- “Buscai e achareis.”
E Allan Kardec dispõe:
- “Ajuda a ti mesmo que o Céu te ajudará.”
Salientando o impositivo da educação, disse o Excelso Orientador:
- “Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai Celestial.”
E AIlan Kardec adiciona:
- “Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar as inclinações infelizes.”
Enaltecendo o espírito de serviço, notificou o Eterno Amigo:
- “Meu Pai trabalha até hoje e eu trabalho também’’
E Allan Kardec confirma:
- “Se Deus houvesse isentado o homem do trabalho corpóreo, seus membros ter-se-iam atrofiado, e, se o houvesse isentado do trabalho da inteligência, seu espírito teria permanecido na infância, no estado de instinto animal.”
Louvando a responsabilidade, ponderou o Senhor:
- “Muito se pedirá a quem muito recebeu.”
E Allan Kardec conclui:
- “Aos espíritas muito será pedido, porque muito hão recebido.”
Exaltando a filosofia da evolução, através das existências numerosas que nos aperfeiçoam o ser, na reencarnação necessária, esclarece o Excelso Instrutor:
- “Ninguém poderá ver o Reino de Deus se não nascer de novo.”
E Allan Kardec conclama:
- “Nascer, viver, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei.”
Consagrando a elevada missão da verdadeira ciência, avisa o Mestre dos Mestres:
- “Conhecereis a verdade e a verdade vos fará livres.”
E Allan Kardec anuncia:
- ‘‘Fé inabalável só é aquela que pode encarar a razão face a face.’’
Tão extremamente identificado com o Mestre Divino surge o Apóstolo da Codificação, que os augustos mensageiros, que lhe supervisionam a obra, foram positivos nesta síntese que recolhemos da Resposta à Pergunta número 627, em O Livro dos Espíritos:
- “Estamos incumbidos de preparar o Reino do Bem que Jesus anunciou.”
Eis por que, ante o primeiro centenário das páginas basilares da Codificação, saudamos no Espiritismo – Chama da Fé Viva a resplender sobre o combustível da Filosofia e da Ciência – o Cristianismo Restaurado ou a Religião do Amor e da Sabedoria, que, partindo do Espírito Sublime de Nosso Senhor Jesus Cristo, encontrou em Allan Kardec o fiel refletor para a libertação e ascensão da Humanidade inteira.
(“Trevo de idéias” de F C Xavier e Emmanuel)

Textos copiados da internet www.universoespirita.org